domingo, 16 de dezembro de 2018

INVENTÁRIO





A voz, minha mulher de facto dizendo lá para dentro: tens a cama para fazer às visitas. A lâmina líquida das coisas oportunas, espelhos espalhados pelo lacado da noite, devolvendo mínima a luz sobre tudo. Adiante. Estimadas quantidades, iniciamos assim contagem de um certo número de artigos nomeáveis contando connosco: quatro paredes três janelas duas divisões um telhado de uma água um portão de garagem um ponto de luz em cada divisão interruptores a comandá-los uma bancada estruturada em perfis quadrados de ferro uma pedra mármore sobre isto. Dois de alguidar sobre a bancada, um verde outro vermelho, não dando os dois bandeira. Uma embalagem de plástico para o quê lhe faltando a tampa um molho de chaves um escorredor de louça dois cantos um para lado do portão de garagem qual vai primeiro? Atira, vai. À esquerda uma garrafa de gás duas vassouras e uma pá. À direita instrumentação para lidar com pequenos incêndios de trazer por casa lhes faltando só lareira para o ensaio geral vieram aqui parar em trânsito para outra paragem completos por si espeto tenaz fole de couro vassoura pá, um assador de castanhas. Um chapéu de palha sobre um boné sobre espreguiçadeira de praia, uma roçadora de mato sem fio dois baldes de plástico verde e amarelo um moinho de vento com as pás cada uma de sua cor em vermelho roxo laranja amarelo verde azul. Sob a bancada por cima do chão uma caixa de ferramentas esmaltada à cor verde esperança encostada a este conjunto uma bicicleta rosa. O tapete na entrada uns chinelos de Verão móvel metálico para o fogão pano preso por elásticos a esconder outra garrafa de gás ao serviço de lado outro móvel em material termolaminado a duas gavetas de abrir duas portas de bater. Sobre este móvel, um pote com sal em madeira e vidro uma tábua de queijo um pacote de leite por abrir uma cafeteira italiana separada desmontada um copo de vidro virado para baixo. Nossos dois pratos sujos do jantar à espera de ver água vai uma peça basculante onde se guarda o pão do dia um cesto de verga uma travessa de casquinha onde um pacote de café um pacote de piripíri um rolo de sacos plástico. Na parede vão aparafusados uns quantos suportes todos de pau um isqueiro lá um rolo de papel de cozinha um porco segurando no lombo uns panos para as mãos uma pegas ao lado um frigorífico de portas abertas sobre ele um relógio a dar horas fora do lugar noutra hora que não a nossa porém trabalhando tiquetaqueando fazendo horas extras o relógio branco e amarelo um tarro um cinzeiro de barro uma cristaleira em pinho maciço com alguns anos começando por cima um limão em barro vidrado com uma pega nele uma terrina azul e flores a ela agarradas à noite que vai lá fora um par de jarras em louça pintada três portas com ripinhas e vidrinhos a deixar ver um pouco lá para dentro copos de três de água de cerveja de shot de aguardente uma prateleira preenchida com os cacarecos do costume sempre uns porquinhos à cor deles outros brancos de cal floridos uns pratinhos um com nome outro só com uma letra uma vieira virada para cima uma chaminé Algarvia em miniatura um Buda dois elefantes um par desirmanado de botas sobre o tampo um cesto dois cestos de verga um vazio outro cheio de muitas coisas que não prestam um copo de zinco lá dentro uma escova para o cabelo uma tesoura e um lápis de carvão ao lado dois potes de cobre transmontano uma folha de couve em cerâmica uma lanterna a funcionar a pilhas um canivete suíço um maço de tabaco uns tostões um isqueiro uma carteira com algum dinheiro um telemóvel barato desligado até ver do Mundo porque sim porque vejo pela televisão da tasca da esquina ali à rua de cima uma ou outra manifestação umas montras partidas mais incêndios nós ainda aqui lutando pelo nada revolucionário de um sol que já se foi por hoje deixá-lo ir é não pensar muito que tanto nos cansa esta partícula corrupta vizinha que nos separa e aproxima umbilical sulista espertalhona cartomante oportunista carteirista humana bainha dos retorcidos. Golpe de vista para os outros nós nenhuns mais olhos que barriga ferragens marteladas nos costados da madeira e marteladas em si mesmas servindo para abrir fechar gavetas uma infância de cachorro escolhido entre a matilha à justa de uma caixa de cartão na berma dos pinheiros. Babilónia a pé ou de bilhetes pré-comprados ao pé-coxinho a quem dar um coração assim aos saltos um momento vou já aí.

A voz, negra de pancada a cair para dentro de onde vem do teu sono solto a ideia que tinha de ti a perdi antes do primeiro olá o abraço ao futuro adeus. Preciso um pouco mais de ti afastada sabes bem toda essa música que te despe aos meus olhos num acorde de semânticas avulsas palhetas violinos sazonais ligados à tomada dos sentidos. Dança a recta depois da curva se cumprimentam as paralelas para lá de um impossível maravilhoso te cai o pano em crochet no espelho dos teus joelhos brilha a laranja à lua uma ferida aberta a fogo no peito nocturno do céu de cruzadas palavras um par de mochos debaixo do mesmo guarda-chuva o tema magnético esquecido na porta do frigorífico uma mesa um banco corrido de cada seu lado outro lado da rua uma toalha de centro aos quadrados verdes claros verdes escuros duas tolhas de rosto uma em cima de outra um cesto de fruta duas bananas verdes uma embalagem de alumínio uns restos de jantar uma garrafa de litro e meio de água choca uma embalagem de manteiga por abrir dois sinos de chocolate que te adoçarão a boca antes de descoseres a língua que nos permite semelhante desvio. Duas cadeiras de praia junto a nós um biombo a desviar atenção sobre sacos pretos largados por cima de caixas de papelão com equipamentos diversos dentro de si uma ventoinha toda de preto um móvel retrógrado de porta basculante um depósito da pinga um jogo do loto a televisão que nada apanha nas posições possíveis para a antena só chuva miudinha uma ficha tripla um sofá cambalhota um estojo de canetas pretas o livro de Os Cantos de Maldoror uma mesinha de ferro um vaso com flores de plástico uma aparelhagem de rádio e cassete o som emprestado à noite de nós de passagem por este abrigo dos comuns se acertando nos versos um saxofone de preto para a minha preta e um último beijo sempre foi o melhor que conseguimos contar disto e despachar para depois a dois o calendário deste ano de dois mil e dezoito ilustrado com animais da casa um sofá-cama esticado até meio da divisão um edredom para cada um de nós onde está o amor que temos às coisas que cantam sobre nós já dormes que ressonas baixinho desejava eu nunca te ter deixado por acontecer por mais gritos que dês por cima de nós de um dia acima da média.

Há um tempo depois nós nada e continuamos cá como se nada fosse de alguma forma os mesmos quem sabe o melhor disto nem somos nós são as paredes um telhado para a noite não nos cair em cima tão depressa já fomos lá fora mais de uma vez para voltar a entrar no mesmo esquema de esquecer tudo só um pouco nunca o suficiente brincar às casinhas em sermos sérios logo mais agora ou nunca o mapa de um chão de desperdícios onde nos assoamos. Querias saber o que tenho eu e eu tão só a ti deixando de imaginar outra manhã fora do teu sorriso a divisão às escuras. Lá fora ninguém não sendo noite fazendo companhia às ruas. Passando de uma divisão a outra um tapete de interiores uma porta um interruptor de duas teclas uma só delas acendendo a luz roleta mais à frente sobre a cama sempre feita onde nunca dormimos um peixe palhaço dos sete mares que são teu nome um machado tapado pela toalha das mãos uma faca de mato na gaveta da cómoda um tijolo de pequenas dimensões a fingir onde colado em alto-relevo a figura de nossa senhora adorada pelos pastorinhos. Cães ladram para dentro de um telefone de copos rudimentar esticam corda à conversa que andamos para ter faz dias uma guitarra em azuis nós em branco de hoje a quantos dias lolitas de porcelana corada um castiçal uma tripla de velas apagadas seis cadeiras de director empilhadas umas nas outras uma mochila um centro em tudo a dar para a periferia do olhar em cuidados para o perto de ser tão depois disto um guarda-fatos com um barrote a ele encostado um aquecedor para os dias que tremem agarrados a nós que não somos brincadeira.

Apago a luz nunca te vi tão bem no escuro como daqui a pouco. Duas rosetas a que prendemos os cortinados. Cada um para seu lado. Quando for manhã o que se mexe lá fora nunca lá chegaremos de outra forma senão da conhecida. Demos conta um do outro, e nos enganámos mais de uma vez voltando atrás a contar o mesmo, voltámos sempre, virando as costas ao certo a fazer. Demos sempre as boas-noites aos lábios se fechando carnívoros sobre nós não duramos para sempre fica só mais um pouco para aí.