domingo, 31 de julho de 2016

ÁGUA CORRENTE






Roufenha voz atropelada,
Mal sai do lugar seu, quanto de si
É levada ao outro lado
A esta parte, contrária a ser
Entendida como alvo
A aniquilar.

Paredes; janela espelhada
Em outra janela, o fundo
A que se nunca chega.
E bate aí um infinito pulsar
De imagens por ser
Fogo a fingir que é
Verdadeiro, canto
Quebrado por aguada
Em gesto maestro,
Desconhecido de antemão.

Íris negra, desfragmentando-se
Particularmente interior;
Seca lágrima, limalha,
Atirada num rasgo,
Atravessando em diagonal
A folha branca,
Até que acabe
Logo ali um céu
Sem nada – teu
Olhar.

Dedos dispostos em socalcos
Na esfinge presencial
Do teu rosto, pouco menos
Sobressaindo à pele
Da noite, em segundo plano
Apanhado.

Letra amarelada, de forma
Gorda, abocanhando
A tintura do sentido
Dado ao que dizer,
À poesia. Ao estado
Selvagem dos sons
Juntos, separados
À nascença da palavra
Nesse dia.

Bocas atracando
À proximidade de um beijo,
Nunca porém se tocando,
Em contraluz ao seu relevo,
Recortado na superfície
Do que se supõe ser
Dúvida solar.

Linhas descontinuadas, vindas
Do olhar adentro
Caído ao mar
Do sonho.

Vulto autómato, se atravessando
À força de braço
Na posição do horizonte
Sendo outro.

Punho fechado, inquestionável
Chão de areia. Vento aprisionando
Toda erosão que passa
Por um sorriso
Demente.

De braços dados e como
Nódoa que nunca sairá
Da frente do pano
Negro.

Linhas auxiliares, secundadas
Pela cor sempre mesma,
Mudando-se-lhes,
Abruptamente,
O sentido.

O nevoeiro em permanente
Moldado nos teus cabelos,
É distracção suficientemente mortal,
Tempo que tens para
Me atravessar de um lado ao outro,
Com a âncora desgovernada
Do teu olhar descendo
Sobre mim.

Tua boca assim
Como o fim que me dás,
Têm todo o sangue
Que é a última coisa
Que se vê, daqui
Para a frente.

Rilhar à memória o fruto
Dos teus dedos encostados
À flanela rasgada
Da palavra levada
À boca, para dizer
Claro-escuro.

Desenhado a quente
Pelo que se verte,
Tremeluzente de velas
Instáveis, em mostrar
Que um mais um
Nunca serão coisa
E número algum.

Estruturas desenhadas
Para não aparecerem
À mostra. Umas árvores, poucas,
Para ali plantadas,
Nunca chegando
A crescer,
Logo alguém
Dizendo rápido
«Corta!».

Rectângulo afastado, palco
Da luz actuante, em fuga
Pela corda dada
Às nuvens noutra imagem
Resumida por janelas
À frente de outro
Céu por abrir.

Irreflectido acto de juntar
Nós dois, num só
Tampo de vidro
Espelhado.

sábado, 9 de julho de 2016

APARIÇÃO





Mil ordens dadas
Aos motores de toda a espécie;
A filigrana da palavra
Atravessada pela saliva,
Intencionalmente bruta,
Vinda expulsa pelas frinchas
De um dizer por entre
Tua dentição incompleta
«A agulha entra um pouco atrás
Do lugar por onde saiu», DIZEM
Num mesmo fraseado, destroços
De dias velhos, encurvados,
Atirados por condutas
De cores absurdas
Que nunca se usam.
Roda - «Não invente!»
Jante preta, pneu branco,
Inversor de corrente contracorrente,
Num abrir e fechar de olhos
A piscar…a piscar…a piscar
O amarelo do semáforo
Capturando a tua fuga
Desnecessária. Amplitude
De pernas num
Compasso,
Ouçam agora e aqui
Sons de sirene,
O ar interrompido por
Carro de bombeiros,
Desgraçando a rotina
À gente condutora,
Obrigando-os ao desvio
Incómodo junto à berma
Da estrada em paralelepípedos,
Estes grumos de granito
Empapando o leito
Do caminho onde a velocidade
É limitada. Ao mesmo
Vagabundo, lhe é permitido
Aparecer em lugares diferentes,
Das duas uma se não
É o mesmo, se não parece
Aparecer em lugares diferentes:
Sentado sozinho
Na paragem do autocarro
BUZINAM não para ti,
Sossega!
Garrafa de cerveja
Ao colo, embalado
Numa embriaguez serena, quase
Se não dá por ela,
E sim, só ele duma vez
Veste a noite
Ao contrário, os ténis
Negros de Inverno
Nesta manhã incómoda
Branca de Verão,
Calças fato treino
Até ao umbigo,
Camisola escura sem importância
Para agora pôr-me
Para aqui a escrevê-la,
Casaco fato para estar quieto,
Casual, o cabelo levado
Em monte atirantado às raízes
Do crânio, imobilizado
Pela gordura das ruas
E de anos sem data, nela
Passados. Assim deixo-
O de ver até ver,
Ponho o edifício da Assembleia
Da República para trás
Das costas, desço
À rua do Poço
Dos Negros, viro
À esquerda na direcção
Que leva o eléctrico
Pelos carris ascendendo
Ao Largo Camões,
Mas antes, muito antes,
Descobrir o IRREAL
Que é nome nas portas
Fechadas a esta hora
De um bar, o papel
Que leva preso
À montra que dá para a rua,
Anunciando filmes passados
A ferro pela música
Inventada agora,
Dobrando a mudez,
Piscando o olho
Ao génio destes realizadores:
FRITZ LANG
JEAN EPSTEIN
SERGEI EISENSTEIN
LADISLAS STAREVISH
A cada um conheço parte fraca,
Um pouco assim-assim,
Que os cultos exigem o seu tempo e é já
No próximo sábado se lança
Aqui um livro do poeta
JOÃO RASTEIRO, que me falta
Agora ler «RUÍDOS
E MOTINS» que se propagam
A um corpo sério,
De movimentos
Continuo um pouco acima,
Ainda é cedo se tanto
Umas oito e quarenta,
Mas tenho já fome
De contos e poemas,
Um nervoso miudinho
Em querer aplacar
Esta ânsia de papel
Impresso. Dou por mim
A outra porta dizendo
«LETRA LIVRE», por ora
Fechada pois só alguém
Aqui estará a partir
Das dez.
Vou acima venho abaixo?
Volto para trás, e não é
Que dou com ele
À esquina
Junto do semáforo,
A piscar de presença
O Vagabundo erecto,
Remexendo no caixote
À altura do umbigo, se alimentando
De comida
A meio caminho
De apodrecer.
Limpa a boca, enquanto passo,
Com as costas
Das mãos, segue o contrário
Ao meu caminho, um quarteirão
De livros fechados por dentro
De paredes intransponíveis,
Até que seja certa
A hora. De Santos, “SR.
TESTE», fico ao largo
Fazendo tempo
Sentado à mesa dos que,
Todos os dias,
Levam em passo de corrida
Lenta de Morte,
A luz que nasce além
E se põe aquém.
Ninguém agora por aqui.
Minto. Sou eu
E o Vagabundo ali
Ao lado, sentado virado
Para mim sem me olhar,
Traçando suas linhas
De Terra ao Horizonte
Curto, que parece
Esquecer num ponto
A seguir a ser
Olhado. Me desaparece
De vez. Esta
Agora! Ia
Agora mesmo
Embora, se não
Tivesses voltado
Outra vez de onde
Desapareceste ainda
Há pouco, fazendo troça
Das arestas que cortam
Mal a tua figura
Destacada do tempo
Que regurgitas. Fazes isso
Tão bem, quase
Que te tenho inveja,
Engolindo em seco
Os ponteiros «RAIOS
PARTAM» - me ferindo
As pernas que teimam
A imobilidade
Indispensável à ideia
Em desordem. Tens a mão disposta
Em cimbre alinhado
À fachada do rosto
Em derrocada. Penso
O que por aí vai
De sonhos desfeitos,
Ou mera desfeita
À Ordem das coisas.

Por trás de ti,
Um pouco mais
Ao fundo na rua,
Alguém põe
Uma carta no correio.