domingo, 27 de dezembro de 2015

VIR À LUZ DIZER QUE MORRE A NOITE





Executar um corpo pela ordem
Nunca rigorosa, numa frase
Acidental. Água parada
Prolongando o rosto fechado
Em si mesmo outro
Corpo inseguro.
Apenas um instante
A mão a tocar ao de leve
O que não pertence a nada
Nem a ninguém. Tudo levar
Para um lugar parecido não
Passado.
Perigoso repentino.
Som pouco claro ou outro
Estilo de dizer
Alteração a um tempo
Rival do mundo.
Estação sofrida
Através da pele. Partículas
De água suspensa a sublinhar
Sombra outra palavra essa
Quando vais só
A meio.
Dizer de ti o mesmo,
E repetir tudo
Outra vez do princípio.
Desestruturado.
A margem da folha
Tua pele ao contrário, húmida
Memória de caules
Arrancados às mãos
Do hábito. Aquilo que resta
É pobre de imagens, pobre
Desconhecido sempre
Hoje e hoje nada,
Esborratado pelos cantos
À casa que é
Tua boca           espaço
Em aberto.
Sob espécie alguma
Os braços a cortar
A conversa,
Postos e dispostos pelo vento, um
Qualquer som
Óbvio. Assim
Dito. Exactamente um motivo
Inclinado, àquilo chamar
Parede outra coisa
Onde a tinta fica
Pouco clara.
Repetir pois o sol, deixá-lo
Pelas costas
Ir para dentro ainda
A tempo se houver          espaço
Fechado.
Por terminar, a luz
Particularmente incidente
Naquelas mãos mostradas,
Uma e outra,
Em escala variável. Se me afasto
E desvio de cada palavra por ouvir,
Um sinal teu se desprende
Da superfície do rosto,
Prevendo o fim, sabemos
Que sentimos ambos tudo
Como o inverno todos os anos
Nos ossos. Obrigar o esqueleto
Ao rectângulo desenhado
Durante um motim, pelo tempo
De momento
Único.
Deixar-te com alguma coisa
Minha que não seja
Só areia soprada
A tempo pelo vento. Um corpo
Escrito em abstracto. Viajante
Que desaparece imediatamente
Antes de começar
Sua viagem
De sonho.
Formar o nome que falta
A partir da sílaba
Vertida pelo olhar último
Lançado às cegas. O que se diz
Fora da linha é toda
A tinta que largo
Para não ir
Ao fundo.
Sugiro que esqueças
O que disseste sendo
Essa última palavra,
Que me não cabe
Neste ou noutro parágrafo
Que seja.
Tudo é íntimo
E parcialmente
Decifrado. Elemento
Água pássaro levantar
A cabeça dizendo
Boi.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

VÍTREO





Espelho ardente, percutido
Pela maré de águas vivas que são
Tuas unhas impacientes – elas
Sabem castigar, sabem
Tirar a um a sua harmonia. Notas
Soltas, arrancadas superficialmente
À ausência.

Matéria reduzida
A água, tudo a acontecer
Fora de enquadramento. O mecanismo
Utilizado para interromper
O rio antes da boca
Tua. E teu (por mim)
Corpo aéreo, transparente,
Espessura mínima
A separar mundos
Tão diferentes. Também
Um sol a evitar
O interior humano
Das construções momentâneas.

Líquen voraz
Das almas sôfregas, em formação
Atonal. Te indispões
Verticalmente a tudo
E ninguém.

Por inteiro (não
O coração) conta ela
Pelos dedos meu número
Complexo, umas vezes
Voltando ao lugar
Já passado, a rasurar
Minha pele petrificada. Uma
Vida que são outras, muitas
Em que se toca
Com nervo intimado. Viciado
Pelo inesperado, de cabeça
Tenho esta hora e pouco
Mais.
Pinguécula de mar, embutida
Olhos adentro. O hábito
Que temos de nós.

A palma da mão
Abriga no seu interior
Um corte profundo, cicatrizado,
Atravessando a linha
Da vida, uma delas, alterando-a
Para todo o sempre. Fogo
Abandonado para ali
A arder, enquanto respirares
O mesmo oxigénio
Que o alimenta.

Linhas em perspectiva
A desaparecerem num ponto
De fuga, preenchidas
Por numerais aparentemente
Desordenados. Para nada
A tender. É corpo
Estatelado no chão,
O som da queda atrasado,
A cair ao lado,
Desenhando-lhe o contorno. Retrato
Falado ao contrário,
Sugado pela boca
Que tudo quer
Calar.

domingo, 29 de novembro de 2015

LÍNGUA GESTUAL





Foram elas, foram; a culpa é sua e minha é também de certeza. Afinal, poder assumir a ordem original desta tempestade exagerada nas vozes. De gestos velozes se evitando, na sua natural circunscrição; a irem de um lado ao outro fora da linha, por cima desta, neste tempo calmo falho por pouco. Serei eu, e elas, a unir as pontas soltas à fita magnética, onde se comprimem nossas figuras, baixos-relevos afundados nesta sonoplastia temperada. Opacos. Continuar a me ouvir, e a elas; lentamente deixar de o fazer, até que seja um só som de mar artificial a rebentar dentro, profundamente, na rocha cerebral. Tudo apontar. Tudo ilegível, a desaparecer mal aparece em menos de nada. Apontar a dedo; escolher as pessoas que se querem dizer a si, entre as que ficam para trás, na plataforma onde pisam o tempo pouco seu. Imediatamente após passar um comboio: um algodão se desprende deste sonho em rama, e célere, desgovernado, passa flutuando acima da linha do caminho-de-ferro. Alguém ainda a mastigar parte da refeição, sentado num banco, a olhar a ver se outro vem da mesma direcção. Viu o que vi eu. Quase igual. Todos os dias saio daquela composição, a forma não interessa, e sempre em velocidade me desvio para fora do redemoinho provocado pelo vento dos outros. Não é querer o mesmo. Absolutamente preciso; uso as extremidades, ajustando-as à superfície desnivelada do betão. Dai-me forças, para não ir por ali levado até cair pela comunicação vertical. De serviço meus olhos vão primeiro, que medos não têm de irem sozinhos segurar nos braços ali da multidão, dos que vão, para que desçam à sua terra em segurança. Depois voltam, a ver se me convencem a fazer outra coisa qualquer. Pássaro desnorteado em contratempo, contrário ao destino grave das águas, tocando nas duas margens do seu caminho; a ir ao principio da viagem, ao primeiro suspiro da máquina. Ter asas, não é suficiente como hábito.

Linhaça depurada (transpiração do sonho que passa por este tecido) é a alma, apressada em negação ao tom branco da indecisão ou unidade. Explosão controlada, amoral, na cavidade molar. O grão do motivo se acentua, enquanto esquissas meu silêncio. Me apressas para a eternidade; disfarças um último adeus sem saída. Ganhas a posição para a luta corpo a corpo com deuses menores, que insistem junto a nós na prova que lhes é desviada. Coragem. É o teu coração que me aquece já as mãos, sequestrado á força de navalha. Um teu pedido, por agora o último, cifrado. Ó beleza rude! Despida até ao essencial da palavra escolhida, amarrada pela corrente que da tua boca sai, ao ancoradouro dos meus lábios ferruginosos. Em sangue. Tresloucado.

Como criança doida a querer se explicar; raiva a multiplicar tantas vezes o tamanho do seu animal de estimação, por este ser fraco predador e não conseguir capturar o significado das suas palavras incompletas – assim. Outro futuro, com o mesmo sol de lado no horizonte. Esse sol pode ser que tu sejas, se pouco de ti disser agora. A criança outra de lado, como se à tangente da circunferência traçada pelo carrossel da conversa posta em movimento, já há algum tempo vencida a inércia inicial, pelas duas mulheres adultas das quais companhia ou filha de uma delas. Dedo na boca, ou ambas mãos aprisionadas entre as duas pernas, conformam a posição desconfortável. O meio silêncio das palavras trocadas, não é suficiente para não se ter a certeza que é uma discussão – a linguagem usada por gestos de raiz, é quase agressão; utilizam a força das mãos, uma na outra a demolir a parede erguida diante do que se não pode dizer. Não entendo palavra por palavra, o que não é o mesmo do que fingir não ver o mesmo que a criança a fugir pela paisagem janela fora, enquanto o que se diz vai a meio e parece não ter fim à vista.