sábado, 28 de dezembro de 2013

AQUEDUTO


A tua mão de tão longe chega
a ser céu
máquina de luz nascida
é dia ainda, acima do corpo
um aqueduto construído de lágrima
escrava de uma direcção
fora da vista, saio
a seguir-te

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

ESPUMA







Tenho de ser de algum lado, partir daí para outro lugar com céu por cima, se for ar o que respiro. Ou um palmo que seja, bem medido, de uma terra distante qualquer, um lugar ao alto numa escarpa calma, onde não exista sonho que perturbe o salto, que ali está um momento antes de a tua água ser minha superfície. Desço por um ombro teu – rocha parada – a mãos, um pé mais torto para ser-te suave fatalidade. Os teus lábios salgados, no meu peito aberto em tudo, são agora nada porque te encontro. Esquece o meio caminho, eu vou caminho inteiro. Nunca sei se espero mais, demasiado tempo em que me decido não sei se por ti, pela tua espuma. Pelos teus movimentos submersos à vista, um movimento violento no meu dorso. Absurdo contratempo, eu que não gosto de ser beira ao mar, onde nem sempre existes, de onde me arranco molusco e parto. Para o teu próximo lugar.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

(DE) MÃO





Igualo a tua superfície em todos os poros. Tapo-te a boca à mão, e continuas a respiração no teu lugar, pele branca de tons. Mato-te a cor única com manchas da irregularidade do meu corpo, um lugar à vista nu, onde se demora um pouco até se avistar um outro de gente, de placas sem nome – zonas de convergência? Por piso se toma onde se nasce, ainda que uma perna não comece logo aí sem pé. Vou só à noite por aqui, vou lugar em vez do corpo, agarrado a sombras, à tua saia escondida de horas e outros ditames de corda. Deixo-te o meu pulso, preciso dele fraco no lugar de mãos, uma pele medida exacta. Um sonho, o sermos uma única construção, um estorvo com nada lá dentro. A ferida fechada, com todos os de nós impossíveis lá dentro, desmaquilhados de carregados contornos. Tudo o que é violentamente belo, acontece fora daqui. No lugar de mãos, onde nos apagamos longe de olhos – zonas de convergência? É medo o que sentimos, esta primordial perseguição por um outro que se teme por querer alcançar a nossa costa, costela, a melhor parte de uma carne. Seja vento, feitiço ou faca. Outra amiga a noite, que a abraço com luzes lentas, sem a pressa de uma sombra. E é já dentro de um dia que dobramos os nossos dedos à mão, para um espaço menor onde cabemos.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

MARIMAR 430 ANS (video) ...a experimentar fundos ao rio…


MARIMAR 430 ANS

Um homem fecha a porta, quase não é som a esta distância. Antes de sair por ali, arrumou caixotes. Dele, de alguém, e fez mais barulho. Uma linguagem de ecos distorcidos percorrendo o cais, onde ao lado uma gaivota pergunta reflexos à água. A água fala de outras coisas com o vento, que a corteja, soprando-lhe espuma com formas geométricas. Outra linguagem, onde se desenham distâncias entre elas, outra estranha forma de ser palavra. Onde se chega à conversa, passando por cima de uma imagem em que se reflecte. Coisas que existem paradas. Coisas, não. Barcos. Barcos com nome de lado, boca torta, números misturados com letras, lugares identificados por este nome que não se esconde de ninguém. Vem um do Barreiro. Outro é bicho Raposinho. Há um outro ainda em que se acredita, reza à Senhora do Cabo no fim de outros cabos, tormentas, cordas esticadas para o fundo. Outra distância submersa. A mesma porta, outros homens e vão dois de mãos nos bolsos. Olham para a porta, mas não a abrem. Juntam capacidades de horizonte, e olham para mim. Não olham agora, mas olharam há pouco, à distância de alguma água. Não os vejo já, escondem-se para menos de uma parede. Onde acabam a ponte, começa chão. Chão diverso, de pedra parada num outro cais. Cais adeus lento, que não conversa com ninguém e não precisa. Pois a ele se ancoram vários cascos, espinhas curvas de obrigação, estórias de navegação à vista e outros barcos grandes. Duplas faces improváveis, coladas pelo mesmo tipo de pele. Metal. Um guindaste com um dedo acusador sempre em frente lamenta-se da fome. Fala das pesadas cargas que lhe faltam, com uma mota das antigas que se encosta silenciosa ao seu corpo. Outro homem, outra porta, esta fechada com estrondo. Vêm mãos estendidas, pelo ar pergunta-se pelo preço e por uma quantidade. O preço de fazer aparecer os outros homens. Bandeiras de mão de uma nação pequena na sua imortalidade, no final. Uma gargalhada partilhada numa roda de fumo. Quase tudo aqui é cinzento, fumo de cigarros que imitam a cegueira de um nevoeiro. Os barcos são brancos, e todos aqui que o sejam, onde se possa ser aí uma outra cor e um outro nome. Uma voz incómoda, acima da boca fechada, pergunta-me quando volto, se volto. Quando voltar, digo para dentro um dia – diz-lhe tu. Perguntem-me outra coisa, penso. Como um motor pergunta para o meio silencioso das gaivotas – foi só uma vez? Uma outra, desta, a que seja. Quer saber se comigo próprio é uma dança – diz-me tu, que fizeste o mesmo. Penso na palavra parado, mas não a digo. Avião é outro céu, onde tenho de ir. Dizer um avião que não vejo é fácil, ouço-lhe a sombra. Voar dificilmente é dos outros, e tentei dizer-to. Só consegui dizer barco, e deixei-te ir – volta para a água, como um de nós. Espero ir amanhã.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

TROVOADA QUE NÃO PASSA


Atravesso o rio por alto, sem tempo. Uma discussão quase a acontecer entre dois movimentos diferentes, alterados no espaço que não lhes sobra. Entre o céu que ali está e quer ir a todo o lado, e eu que não quero ir a lado algum. Mas sou para aí empurrado, para um dos lados, num discurso onde não ouço água, onde é metal barulhento o que me corrige a posição a meio desencontrada. O pedaço que falta, ser geométrica a recordação subtraída da tabuada do esquecimento, onde me apago na calma de um poema corrente. Vou dentro dele, e não mais quente por ter paredes à volta. São outros lados da mesma máquina, fria vontade alheia. Um estômago intolerante, o deste mecânico rufia vindo da outra margem, faíscas de insulto cuspidas à cidade. Rasga-a de lado quando chega, onde é costume apertar-se na sua saia. Esta máquina de um tempo mal passado, cozinha demasiado rápida para o meu paladar de movimentos naturais. Aperta-me também por baixo das roupas, obriga-me a parar nu quando não quero, bem embalado que eu ia, no meu ranger de peças soltas. São dentes postiços o que arranco por amor, atirando-os amarelos aos carris, a ver se obrigo a ser mais devagar esta composição. E partem-se todos, lá para baixo o rio. De repente não é nada, e abre-se um sisudo sorriso de espaços.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

PRÉDIO EM DESCONSTRUÇÃO


O alto-forno da siderurgia alimenta-se, aqui perto, desta noite que o abraça numa fria insignificância. Transformam-se ali coisas noutras coisas, e não é imaginação minha, porque o ouço reclamar da qualidade do metal que lhe é servido à boca. Mais perto ainda é Dezembro, sai tímido pelas chaminés, um fósforo ínfimo acendido por todos nós pequenos, ao lado deste mecânico ser mal alimentado. O seu lamento desencadeia outras correntes, pequenos azedumes domésticos que são grandes de onde vêm, pois a escala é sempre desigual quando nos comparamos em tamanho. Alguém que grita «FODAAAAASSEEEEEEEEEEE» mais alto que os outros vizinhos deste prédio calado, que o escutam como eu. A criança que não sei se pertence ao grito, chora para nós ouvirmos, um eco que não pede licença para entrar nesta escada escura que nos serve a todos. Um desvio curvo num homem de espinha incorrecta, de sangue fácil e sorriso impossível. Uma porta que se fecha com estrondo, alguém que não me interessa cuidar mais por isso da sua origem, vai não sei se embora. O silêncio é coisa da minha cabeça, pois o alto-forno ainda arde cedo, domesticado por uma sirene que anuncia a sua primeira hora de má digestão. Sinto-lhe o ferro no meu estômago, ardo da cintura para baixo sem chegar aos pés, no meu meio inexacto. No resto do corpo, passo pelo frio todo que me é reservado, num deliberado gesto meu de abandono. O que imagino depois dos outros, dito em palavras, arrepia agora melhor o seu caminho, competindo de igual numa temperatura baixa com as outras palavras que respiro, mastigando-as na dentição mínima. Sopro-as no final desta noite, um vento brando que se mistura com o ar da rua.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

RUAS





Digo devagar, palavra, enquanto adio uma distância que vai de mim desencontrando os outros, por entre os intervalos que nos restam além do outro espaço. A composição de um lugar, capaz de me libertar a um tempo quando muito dois, onde me dou mais superfície, durando o tempo que respiro fora dos outros. O ar frio de tanta vontade em ser frente. A respiração, um simultâneo desequilíbrio de todos aqueles que frequentam o mesmo caminho por costume. Falo devagar sobre um qualquer que ele seja, um espaço em parte ocupado por alguém o tempo todo. Sons, parte deles instrumentos, de uma orquestra curta nos tempos em que me toca, a quase sugestão de uma música para esquecer. Cordas animadas tensas, por navalhas com gumes ausentes noutros rostos. A parede solta de uma casa, ocupada esta por um sonolento verbo de ser, esse animal doméstico habituado a comer do chão a sua miséria. Corredores debaixo de um céu aberto, em que não toco nem com um dedo, vão todos eles fora de mão. Por onde eu vou, fechado sobre a linha que me cose por dentro a direcção. Por onde ela se aproximou, vinda desenhada de outro lado. De um lugar onde temos outras paredes, estas presas nos ombros, onde nada é uma cor ocupada com superfície. Acima, um lado de frente. Onde vão por onde querem ventos cuidados, quase escondidos, numa marcha irregular. Passam por onde senão por lá, e vão para outro lado àquela parte de outra coisa. Parece que lhes sabe bem o caminho, atravessam-se quais cruzamentos, colaterais contornos, indirectos parentes da indiferença de um olhar que se conhece agora. O conforto de caminhar de mãos atadas com o nervo que sobra de um corpo, por um pensamento que me distrai o momento. Pois o tempo é outra coisa qualquer, uma estrada mais estreita do que se esperava. A parte da terra além de nós e alguma água, é mais do que uma rua.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

DIRECÇÕES



Deixo-me de fora, à mão. Escolho o ânimo para o dia seguinte, a ver se combina com as outras roupas que dispo, desdobradas em outros tantos de mim. A elas não as arrumo - mais vinco que bom corte - deixo-as como me deixo, de fora das gavetas. Dentro destas gosto de arrumar cheiros, golas com batom difícil e luvas de inverno passado. Um espaço vazio, onde cabem estórias melhores, minhas e dos outros, todos aqueles que me ajudaram a vestir parte do meu contorno. Dão-se todos tão bem com a madeira. Lá fora, donde vens, fora deste lar geométrico onde me inscrevo, vivo no teu meio e sou contigo nós no meio das árvores. Onde a nossa sombra é desenterrada, onde encontro água à boca, onde somos firme raiz. Cresço contigo corpo, és terra fértil. E percebo melhor as direcções para onde viras.