Mãos
de carvão encerram o segredo que é teu início. Sublinham o olhar encaracolado,
revolto, a última fronteira da noite apagada no teu rosto. Pensamento ateado,
de perto, à pedra do corpo. A boca como o único apontamento de água potável, na
tua medida de serapilheira. Dorso húmido, musgo que cresce no lugar sombrio da
memória, onde ainda estão visíveis as linhas auxiliares do que abandonaste dos
primeiros contornos, a pele do que foste. Suspendo o cinzel por instantes, e
nem te dás conta. Tens a atenção toda da rua deserta numa hora alta, ditada na superfície
das poças de água tua tempestade assim lembrada. Mãe morta, folheada por dedos
confusos, decantada por rostos que acontecem dispersos, todos interrompidos por
uma lua de rodapé. Enclausurados passivos, desenhados a fogo por cima da massa
escura de um sonho rasgado dos livros. Setas paradas pelo lado afiado, exterior,
da superfície a elas subtraído, imediatamente antes de serem outra coisa. Peito
amputado ao chão de servir, o meu, enquanto uma das tuas mãos recostada nas
brasas do teu suspiro corpóreo, a outra, uma maré sem berma, que se espraia
pelo osso vivo das mesmas unhas – estacas topográficas – que se enganam nos
vértices do meu corpo, inclinadamente baldio. Uma cabeça cortada, de pé,
despojada do corpo e unida à terra em tons de pele, à pele, uma sombra branca,
untada à última emoção de um todo. Em um canto esquecido, fora do lugar dos
ventos, um espelho em que se reflecte uma lua deformada e o meu rosto abotoado
ao seu tecido. Lábio inferior, pintado com o mesmo sangue que usaste para me
distinguires as mãos nesta escuridão exemplar. A lâmina do colarinho, ajustada ao
meu pescoço branco. A fuligem do meu olhar, espalhada pelos espaços vazios das
tuas perguntas. Mãos agarram mãos, obrigam rostos a uma escala impensável, ordenam
ainda a uma cor que desapareça. As cavidades de outros corpos, preenchidas com
o percalço da manhã que os aproveita aos pedaços. Um rosto paralelo antes do
chão que copia, um braço que termina na mão que acaba o que ali existe. Supuradas,
as linhas contagiam o olhar com as costuras das cores sobreviventes. Numa terra
longínqua, o funeral das tuas mãos passa em grãos pelas minhas. Apenso o boneco
obrigado de duas crianças, encurtadas no papel da sua infância. Um anão cego,
servil, lamenta-se do gesto perdido entre nós vontade assim, enquanto espalha a
lenha mal queimada nas tuas costas, do cerne das palavras saliva e adeus, ditas
por mim à tua frente. No final da estrada, ainda é o sol poente do teu rubor a
última coisa que vejo de perfil. Inelutável o visitar-te os traços, na aguarela
comum deste sonho.
domingo, 30 de novembro de 2014
domingo, 23 de novembro de 2014
LUGAR-COMUM
Pessoas
paredes escadas céu, espaços fechados e horizontes curtos numa só frase.
Dialectos que se me soltam da língua, esta prancha de saltos onde me abandono
aos ventos, metade de mim largado no instável do mundo (oscilam brandos os
ossos), outra metade peito aberto, para o abismo que nos liberta de tudo o resto.
Estalidos que não reconheço, música acentuada onde tem de ser pela boca. Sons
vindos de uma esquina móvel mar, não estou certo de estar completo numa figura.
Sobressai a cabeça em alçado lateral contorno da orelha, movimentos de rosto
acima da boca que se não vê, a imprimir de veracidade o que se encontra no
verso do que ouço. Saem as palavras, a cabeça oscila no sentido do vidro que
separa este agora de todos os outros em movimento lá fora, onde poucos juncos
fazem vénias à passagem desta composição. Existem poucos silêncios assim, entre
as palavras, letra repetida até que exausta, imediatamente anterior à surpresa
de reconhecer uma frase inteira «…é assim!» e foi o que se ouviu. Ou me
pareceu. Por debaixo do fim à cadeira, uma, onde alguém está, um par de pés
quietos e que pouco têm eles a ver com o que se passa mais acima. Uma pausa a
que tiver de ser assim parece, enquanto não são eles, pés, chamados para dançar
a valsa do caminho, esse desconhecido no quarto do lado, entendido em lençóis
de águas tensas (e pássaros em colisão). É o que fica quando me calo. Entre o
indicador e o polegar outra conversa de pássaros, pelo gume das unhas a
pergunta à pele por superfícies de sentir, um deles ganha no gesto, permanecendo
assim imóvel num tempo sobre o corpo cansado do oponente. Visto de costas, uso
cabelo curto em tons de cinzento, um casaco que me cobre o corpo nesse lado
dois troços de pernas na cor da pele como é, os pés sem espaço entre eles
unidos um ao outro e ao chão a que, agora, pertencem sem tamanho. Um volume de
formas, dobradas em cilindro, me ocupa as mãos enquanto vou perguntando, um a
um, àqueles ali parados. Não me demoro naquilo que digo e quase não me
respondem. Dou a mão a uma criança, outra, os dois parados em pé e de frente,
por detrás de outra coisa que acontece no meio de nós. Desaparecemos. Componho
o casaco, confirmo os dentes no seu lugar. Apanho a muita bagagem espalhada em
volta, prendo-a aos lugares do corpo enquanto haver. A tiracolo à cintura nas
costas, na mão que sobra. Um dedo de conversa o olhar cortado, um dedo de álcool
no fundo do copo. Caminho em linha recta uma faixa em outra cor, por cima de
pregos derretidos em formas redondas, afastados entre si um espaço igual ao que
significam, linguagem para invisuais. Tenho asas um pescoço dúctil uma boca em
osso que alcança, facilmente, o fim ao corpo. Levo a fotografia de uma família que
não conheço numa mão, na outra uma edição do Borda d'Água, que estendo a quem
está senão eu, que digo não com a cabeça. A minha pele tem outra cor que não a
habitual, seguro a roupa junto ao pescoço está frio e tossem à volta. Serve um
anel de ouro dedo sim dedo não. Imobilizo-me numa posição de modelar, a partir
de aí as pernas desenham aspas na direcção que apontam. Esvoaço entre perfis
metálicos, por vezes subo ao telhado, quando quero finjo-me de coxo. Habito uma
arquitectura fantasma, um piso inteiro de lojas fechadas, onde ainda há pouco
se misturavam cheiros de comidas diferentes. Tem vários acessos, as portas
ainda dão para a rua, mas aqui já não se compra ou vende nada. Sobram os nomes
do que isto foi, esticados pelas lonas que encerram cada fracção de coisa nenhuma.
Espaço aberto a quem queira, é assim possível de ser visitado, um memorial à
ganância e ao custo errado das coisas que, devagar, apodrecem. Bateria de mesas
e cadeiras, geometricamente dispostas, quase todas vazias a esta hora. Além, um
casal de velhos fala entre si num tom moderado, sílabas só deles como cães de
casa enroscados nas suas lãs. Pelo tornozelo ouvem-se passos, alguma coisa ou
alguém, que se aventuram a atravessar este silêncio com os seus barulhos. O que
é, dirige-se a uma das portas, a giratória, por momentos estanca o movimento
que se esvai por si. Abre uma coisa sua, e separa as coisas que não interessam.
É quando encontra um guarda-chuva. A noite vai chegando, abraça a rua, não há
nuvens que a contrariem. São frias as luzes que se acendem por aí. Alguém que
tropeça no conjunto, olhando em volta para os que quase não existem. Aqui,
esteja quem estiver, todos olham ninguém diz nada – o que haveria para dizer,
assim tão rápido? Uma mulher sem rosto, ocupa a última das mesas antes da
fachada de vidro que nada esconde do que não acontece lá fora, excepto a chuva
que atrasada vem, se inclina sobre a mesa e assim se deixa. Mesa posta com um mínimo
de comodidades, um estojo com várias canetas de outras tantas cores. A mulher
sem rosto, risca uma folha vincando o sobrolho, esgares só dela, e fala
baixinho para ela mesma. Apenas isto. «…Não te lembras do nome dele, não?». Espermatozóides
desenhados no vidro pela chuva, mal se aguentam numa forma antes de atingirem a
mediana da diagonal, onde se desintegram, dando lugar a outros nesta corrida
sem meta. Na rua, numa estação intermédia, abrigam-se crianças junto dos
troncos quentes das árvores dos seus protectores. Das copas aos seus corpos descem
ramos mecânicos, procurando as suas mãos molhadas de infância espantada pelos
elementos. Mudam de sentido. Noutra hora entro pela porta dos segundos,
empunhando a espada de lona que serviu para me proteger da carga de água que
cai em exércitos, pelo chão que continua lá fora. Sacudo os últimos pingos
deste sangue transparente. Tenho dificuldade em escolher o meu lugar, permaneço
de pé. Atrai-me mais este espaço pela sua arquitectura imensa, desabitada, do
que pela parte rejeitada pelos outros. Contradições. E mais não digo deste
imenso corredor de passagem. As luzes baixas e o mobiliário excedente. Serve à
justa para o acontecimento dos transeuntes que pretendem vencer o desnível da
rua, entre um quarteirão e outro. O calçado de quem aqui entra percute o chão
de pedra, e se libertam sussurros de gente confundida com o mecanismo da porta
automática, óleo que escorre pelo interior dos seus caixilhos, derramado aqui e
ali pelas bocas tapadas pela mão que não vai a tempo. Um bando de gente
exótica, todos vestidos da cabeça aos pés, dá por finda a reunião com o assunto
que para aqui os arrastou, ainda quente em cima da mesa. Os pares entendem-se e
assim se desejam uns aos outros continuação, depois de confirmarem para efeitos
de memória futura o que precisam, traduzido para um número. O coaxar da
borracha de uma sola atravessa o espaço, degradando-se lentamente de intenso a
moderado nada. A mulher sem rosto, repete a presença pois este é outro dia. Escolheu
a mesma mesa com vista para a rua e vão dos dias dois, noves (passo a contar
pessoas a partir de agora) fora nada. Admiro-a assim como à mancha que é meu
corpo, transmitida no ecrã de um bloco enorme, de vidro recortado em painéis,
em frente do qual cedi e me sentei. À esquerda a rua e um comboio que chega. Alimenta-se
esta mulher sei lá eu com o quê, se de paisagem corpos em movimento ou
naturezas-mortas. Utiliza para tal uma colher que para tudo dará, enquanto
desnivela um recipiente para encaminhar até si um líquido à boca, e absorve-o
em pequena porção. Termina a refeição, transporta um papel pela boca da
esquerda para a direita, enruga os olhos em simultâneo ao movimento de lábios,
dos quais utiliza o avesso para lavar os dentes. Engenhoso, como poderia ser
outra coisa qualquer. Levanta-se, dirige-se ao caixote do lixo mais próximo,
deposita aí os seus restos e volta para o seu lugar. Senta-se tesa no seu
espaldar de resina, retira de uma pasta umas quantas folhas, o mesmo estojo
repleto de canetas disposto longitudinalmente no sentido da dimensão igual da
mesa quadrada, em uma das laterais a poucos centímetros do limite direito. Revolvem
suas mãos o interior do estojo, em movimentos de perícia cirúrgica, parecendo
ter medo de atingir veia ou nervo, dentro daquela ferida incisão de feltro. Levita
e se interrompe algures, à pedra volta estátua ao poeta desconhecido, uma das canetas
levantada do seu papel. Tudo muito normal, não vendo eu motivo de me demorar
mais por aqui. Pouca visibilidade, os pontos de luz limitados à cor necessária
para evitar encontros com a parede. O sinal luminoso que aponta a saída de emergência,
se existir um plano e tempo para o executar. De resto, tudo na mesma. A mulher
sem rosto hoje não se encontra, e que falta faz a este espaço, humanizando-o. O
casal de velhos que ontem aqui não estava, estão sentados também na mesma mesa
de antes. Continuam a falar de uma forma quase imperceptível. Estarão estas
personagens coordenadas, intercalando-se pelos dias? Hoje venho eu, amanhã vêm vocês
ou o contrário. Eu cá estou todos os dias, não me importo por aí além. Os faróis
dos veículos lá fora se projectam pelos azulejos que forram os pilares onde
assenta a linha do comboio, assim anunciam a chapa do seu contorno. Começa a
ser noite outra vez, trazem todas as luzes acesas se não me escapa alguma. Hoje
não sinto nada de especial, já disse quase tudo a quem tinha de o dizer e irei dormir
descansado. Um avião entretanto, desacelera os seus motores na aproximação à
pista desta cidade e, por momentos, se sobrepõe à música de corredor que sai,
lá muito ao longe acima das nossas cabeças, a espaços pelas inserções no
tecto-falso. Melodias esquecíveis (que trabalho deverá dar a compor esta música
sem emoção. E pulso). Uma linha de luzes brancas, a tracejado, indica o caminho
às formigas. Sei que chove porque olho para o chão e me apercebo da água
alterada pelas poças onde se esticavam, sem vincos, seus lençóis. Um chapéu-de-chuva
aberto, aparentemente em bom estado, aguarda que diabo ou vento o carregue.
Parece partida. Olho para um céu que não existe, dele a chuva cai, e vou
embora. Desconfiado. Chovem dilúvios. Convenhamos. Tudo é lugar para estar e
desaparecer, uma língua à qual se vê a ponta bifurcada para os nenhures possíveis
de existir, falados à boca pequena, pequenas interjeições, saliva vertida no cimento,
tudo muito junto a fazer presa – apressem-se a inscrever nele o vosso nome ou
esqueleto, se não coincidirem. Daqui a nada – é pedir pouco – mais ou menos
curado de todas as águas que por ele escorrem, sigo eu as suas correntes por
onde vão, digo adeus às margens e a quem lá não estiver. Medusas velhas, de
plástico, desenham um bailado brusco e lateral às veias de perfil metálico
quando, preciso, passa um segundo ao fim da aparição de um comboio sem paragem.
Obedeço ao primeiro aviso, para minha segurança, afastando-me para o longe
imediato aos limites desta plataforma. Gosto de toda a música que desaparece na
paisagem e das coisas que dançam, agora e sempre, sem a ouvir. No qualquer de
um lugar.
domingo, 16 de novembro de 2014
TÊMPERA
Este,
aquele e o outro – separados por dias, estranhos com cintura descaída. A orla dos
seus corpos, exposta às marés que nos sobrevivem, essa coisa de contornar. Outras
coisas que esquecemos e guardamos escondidas por detrás de um silêncio, uma
palavra incerta. Em nada pensar o mais próximo que se consiga disso, se assim
for, estimulado por palavras com dorso quente e olhar frio. Volume diáfano,
acidentado em altura. A perseguição que termina junto ao pontão que, ali, acaba
com os braços cortados à medida da pedra de fecho. Arrebatado pela alucinação
de um corpo só que persegue só um corpo, o seu passo impresso na aceleração do
chão que desaparece por baixo às roupas, os pulmões sem mais espaço para
correntes de ar. Pelo peito, uma dor cinzenta que se palpa de centímetro a
centímetro de segundo em segundo, o corpo mesmo de antes e o que fica para
depois sem ele mesmo. Dedilhares de cordas nos estendais, pelos nós dos dedos
do vento. Companhia para depois, a febre é um sol plano com que se limpa a
boca, e se divide em média extrema razão antes de a esquecer por completo. O
mesmo se te encontro, e pernoitamos. Outras vezes não é nada disto, e não me
importo por assim dizer. Um saxofone tocado de perto, afasta um batelão
desgovernado para a margem que não existe entre o que digo e não. Música presa
por corrente passa, estrangulada na ilharga apertada do meu entendimento de
tudo um pouco. Um número de variedades onde somos só nós e isso, apenas. Um
refúgio à vista de todos. Itinerário de arcadas e sumidouros, óleo de linhaça que
escorre pelas paredes apagando-nos o nome de uma ponta à outra. Tira-linhas que
suspendem o teu corpo para que coincida com o final do meu. Igreja com metade
do pé-direito regulamentado para a construção, um dia, da casa que nos é comum, frequentada
por outras pessoas que acreditam que o dia de ontem desapareceu sem explicação e
hoje é já outro o dia. A mesma porta para entrar e sair. Dias esquecidos, o
hálito a noite. Encontrões e o riso perdido de nervoso. Espécie de ausência, o lugar
marcado à mesa com um nome proibido, a domar um cavalo de papel branco. O
rescaldo demorado do incêndio dos teus olhos no meio do meu corpo. Melhor aqui
que na manhã desconhecida, aqui estou agora e te encontrei. Penso ainda um dia…copiar
o mal que encerras, levar nos braços o músculo do teu rosto quando me ofendes.
Abrir fendas ao corpo, por onde se infiltre o que sobrar dos outros. O ritual
do nada que é banal, quando se ouve a mesma canção abaixo e acima do equador. Maciça
em pele, a provocação de um corpo ligante com a matéria em pó dos nomes soterrados
com cal apagada. Incrustações de memórias, amarelecidas pelo manuseio
desregulado do corpo habitual. Despe-se uma fachada às borboletas e aos tiros
que se perdem, se em ti não acertam, corpo siderúrgico. Abandonado à raiva
afiada das palavras, levanto o horizonte à força de olhar. Distingo-te,
perfeita, na metade do que não existe mais.
domingo, 9 de novembro de 2014
HÁBITO
Ter
por costume andar
Vagarosamente
a pé, junto a paredes
Sinalizadas
com o aviso
De
derrocada eminente. Caminhos
De
fuga, onde
A
escolha é única. Demorar no que tiver
De
ser. Entretanto
Virar
na esquina anterior,
Descontinuado
de outros ombros
A
falar sozinho, animado
Por
todas estas arestas
Que
nos separam. Representar
O
pensamento à letra
Para
não me esquecer
Do
que sou e
Doer
mais do que é necessário,
Para
estar presente
No
meio de tudo, tangentes
Traçadas
de modo cego àquelas
Paredes
enquanto elementos
Verticais.
Droga
de substituição. Deixar
As
palavras sólidas, impregnadas de
Princípios
activos. Deixar
Derreter
por debaixo da língua.
Quando
acordo a tempo, pela anestesia
De
sentidos e expressões
Possíveis,
nada
Disto
quero dizer mais
Do
que seja ocupar o habitáculo
Da
alma entre uma hora
E
outra.
Ninharias
de combustão espontânea
Enquanto
houver terra
Para
arder. Treino
O
olhar de tanto ver, quase cega
Sem
saber bem por onde vão
Todos
estes movimentos, bruscamente
Interrompidos
onde se iniciam
Outros
de mexer. Pôr a mão
À
pena, descer-te pela cervical
Quase
sem perceberes
Que
sou eu e é minha
A
voz que te ocorre demasiado
Perto.
Dizer gritando
Simultâneo
ao olhar, quando não
É
outra coisa que me ocupa.
Por
simpatia me aproximo
De
ti. Ao que és parte
De
curiosidade e feitiço, as rugas
E
esgares fora de esquadria.
Atraído
por temperaturas
Inexplicáveis,
não
Sinto
quase nada
De
especial. Por um
Qualquer.
A verdade é
Que
sinto. Pouco
O
que quer
Que
seja.
Invertebrado
de sentimentos, choro
Pelas
coisas erradas. Habito
Um
inverno de verbos, cinzentos
A
maior parte. Fósforos
Uns
atrás dos outros, um inferno
E
que bela é a luz que nego
Por
detrás das cortinas, separada
Por
tons todas as saliências
Ósseas,
da sua natureza
As
árvores em excesso
De
carga, motivadas
Por
pássaros calados e maravilhosos
Nas
suas penas.
Picada
até ao osso a construção
Dos
dias, paredes divisórias
Que
se deitam abaixo
De
quando em vez. Por momentos
Vemo-nos
uns aos outros
Nas
posições distraídas que são
Só
nossas.
Aflitos,
abrimos a boca
Pela
calada. Olhamos
Um
para o outro. Dispomo-nos, compostos
E
indispomo-nos. De qualquer forma
Vai
tudo abaixo, com o peso
Que
se transmite às coisas que ficam
Para
depois. Até ao osso
Nos
livramos de uma coisa
Pior,
deixamos o esqueleto
Porque
faz falta
E
rasgamos a fachada
Para
que deixe entrar
Toda
a luz que se lamenta
Nas
ruas da frente. É frio
O
cimento no chão
Sem
mais nada. Rugoso
Aos
pés e à voz que fica. Convergimos
Em
um ponto, nós
Perdemos
tempo a dividir
O
espaço num sentido
Que
se entenda. Quando necessário
Nos
encostamos
Topo
a topo, regados
Por
um mínimo de compreensão. Frases
De
merda, cada matéria
Aprende-se
a olhar
Cada
coisa que vive e não
Arrancada
ao seu hábito, a mão
Que
não hesita.
Humidade
transmitida pelos corpos
Às
paredes que se evaporam
Em
menos de nada,
De
cima para baixo. Riscam-se comodidades
Directamente
no chão
Com
o azul que se despenha
Do
céu, pó de anjos
Construtores.
Mandam
As
boas práticas, que se deixem
Alguns
espaços à pele
Para
que se revista de espessura, uma
Esperança,
a resistência
Aos
elementos. A partir daqui
É
uma questão de tempo,
Chave-na-mão
para o que der
Quando
vier. De mim,
O
que vou contar não acontece
Destas
paredes para dentro,
É
fora de mão em frente
Ao
prédio que queiram que exista, e não existe
Campainha
para chamar
Quem
por ali estiver
Para
estar.
O
varredor incomoda,
Com
o ferro da pá e as cerdas da vassoura,
O
separador central de betão
Encardido.
Se movimenta
Mecânico,
o rosto prolonga-o
Com
o vazio dos olhos, que prende
Frontal
a cada carroçaria
Que
por ele passa.
Varre
quase tudo para fora
Do
utensílio, parece se interessar
Mais
por cada rosto
Ao
volante, de certa forma
Tentando
provocar a distracção
De
quem conduz a máquina
Por
este livro aberto
De
asfalto.
De
ruídos intestinais, repetem-se
Os
fantasmas colossais. Rangem
As
condutas no seu trajecto
De
ar acima das cabeças, o espaço
No
chão irregular de vinílico
Sobressalto,
que se estende pelos dias
Em
rasgos assimétricos. Estruturas
De
suporte revestidas
Por
inox escovado, pela tosse
Dos
transeuntes. Sonoro
Aviso.
Porta
de um prédio. Em alumínio
Anodizado
de dourado. No mesmo material
Almofadas
inferiores, duas folhas
De
vão. Um fixo, outro
Móvel.
Dois puxadores à altura
Que
devem estar, por volta
Da
cintura da maioria de nós
Mal
medidos em cor
Preta.
Em um dos vidros, um
Rectângulo
de papel colado
Nas
bermas com fita
Mais
ou menos
Transparente.
A mensagem
Gravada:
PUBLICIDADE
AQUI
NÃO,
OBRIGADA.
Alguém
Que
se aproxima perigosamente
Da
entrada. Pára.
Se
senta num dos muretes, lateralmente
Disponíveis.
Em pedra
É
mulher, tem um ar
Vencido,
fuma como
Se
o tempo tivesse metade
Da
duração dos relógios, esses
Medidores
da temperatura
Dos
dias. Usa cabelo
Mal
cortado, cor incerta
Próxima
da paleta
Dos
castanhos, será
Porventura
a sua cor
Verdadeira.
Não parece ali
Morar.
Espera apenas
Que
o cigarro se apague
Nas
unhas, alguém
Que
a venha buscar ou
Se
esqueça ela mesma
Que
ali se encontra.
Pelas
costas uma sombra
Rapidamente
se torna
Nítida.
E transborda
Pelos
cinco degraus
De
uma mão. Leva a chave correcta
À
fechadura da porta
E
entra. Assim
Se
permite a passagem
Para
o interior
Da
construção. Da rua
É
visível o átrio
Das
escadas, uma bateria
De
caixas de correio
Na
parede direita, um
Ressalto
no pano implantado,
Raias
de mármore confundem
Os
olhos na altura
Do
pé-direito, a tela
De
arte avulsa, a animosidade
Do
que é naturalmente
Arrancado
ao coração
Da
pedra.
O
cigarro se extinguiu,
A
mulher por ali ainda
Permanece,
se finge
Ocupada,
desinteressadamente
Exposta
em reflexos
No
espelho. Surge do nada,
Assim
como tudo,
Uma
outra personagem, uma outra
Mulher
de sorriso fixo, toda ela branca
De
costumes, rápida
A
estender a mão com uma
Publicidade
a um centro
De
recuperação física. Pergunta
Uma
mulher à outra «Posso
Entregar-lhe?»
A voz
Ainda
fica, enleada
Por
momentos no ponto
De
interrogação – enquanto voz,
Da
sua dona se prolonga
Pelo
passeio, desaparecendo
Por
detrás de uma esquina
Próxima.
A mulher que fumava
E
se desinteressava, outrora
Lenta,
também
Desapareceu.
De memória
As
suas vestes, preto integral
E
calçado de caminhada
Na
mesma direcção
De
tons. O velho
Porteiro
conhecido
Dos
dias e do hábito, saca um
«Boas-tardes»
E
sobe ao patim
Do
prédio, se volta, lê
Algumas
matrículas, rápidas que são
A
escrever-se nas folhas
De
asfalto. A estrada em frente.
Coloca
a chave na fechadura
Com
a precisão silenciosa
Do
hábito, desaparece para lá
Da
porta em esquadria
Com
o ressalto revestido
De
abstracção. No interior, em frente
À
porta da rua, se implanta outra
Porta.
A do elevador.
Por
momentos não
Se
regista qualquer movimento,
Depois,
quase
Em
simultâneo, chega
O
carteiro. Pelo reflexo
No
vidro da porta
Do
prédio, e não sendo
Motivo
de distracção
O
pequeno rectângulo
De
papel com a mensagem
Que
lá está, é possível
Se
perceber o trânsito
A
engrossar. Chega
Outra
pessoa mete a chave
À
porta. Entra e
Desaparece
– Por qual das portas?
Entra
a tarde pelo céu, se abre
Uma
ferida móvel, o rasto
De
sol ateado por um
Avião,
enquanto o próprio
Sol
se evade por detrás
Da
mancha antropófaga
Da
cidade, reduzida
Ao
seu pouco de cada vez
Que
se olha assim
Desaparece
aos olhos.
O
trânsito não coagula,
Ferida
aberta ao ar
Escorre,
exposta em pus
Metálico,
se exala o corpo
Urbano,
um perfume
De
borracha usada, percutida
Pelas
engrenagens. Sacos
De
diversos tamanhos ocupam
As
mãos das pessoas
Desta
hora. Duas freiras
Impecavelmente
vestidas, e os seus
Óculos
de aros redondos
Assentam
nos seus rostos
Engomados
– passam outros
E
comem a andar,
Mãos
nos bolsos. Comem
O
que houver em um
Distribuidor
de rações
Automático.
Sobrepostos
em camadas
Autocarro,
comboio e
Viaturas
escorrem, expostas
Em
pus metálico.
O
dia, outro. Seguinte, assim
Clareou.
De manhã
Sol,
agradável
Até
aos joelhos. Pelo meio-dia
A
luz se aborrece
Em
fiapos se mistura
Qual
café com leite,
Derramando
o apagamento
Gradual
pelo céu
Servido.
O porteiro
É
digital. Se acerta
Com
o comboio que vem
Do
outro lado, e aqui
Chega
preciso
Às
13h18. Dêem-lhe
Dois
minutos, e é
Vê-lo
à porta do prédio. Não
Do
lado de fora, na rua,
Mas
entalado na porta
Entreaberta.
Usa óculos
De
fundo de garrafa,
Porém
acreditem. Tudo se vê
E
nada, a ele
Escapa.
Mora nos fundos
Se
não mesmo abaixo
Da
terra, sua expressão
De
toupeira alinhada com as suas
Mãos
à altura do peito. Observa
Apenas
o movimento, frontal
Como
alguém que se isola
De
nervo ao receber
Um
vento agradável,
Numa
dada altura de um
Dia?
Não, espera
Pela
sua mulher
Que
se não teria
Demorado
por aí
Além,
e vinha
Com
o saco do pão
A
sacudir em um
Dos
seus braços. Um casal
De
porteiros. Matemáticos
Da
disponibilidade a todo custo,
Se
revezam como
Numa
corrida de estafetas. Que o corpo
De
um deles tem de estar presente
Dentro
de portas. Murmura
Algo
o porteiro, a mulher
Compreende.
Sai ele
E
não demorará. Será breve,
Semibreve,
o tempo
De
calcorrear os dois passos
Mal
medidos entre a porta
Do
prédio e o interface
De
transportes públicos
Ao
virar da esquina. Quem sai
Do
prédio virado
Para
a rua à direita. O carteiro
Chega.
Semibreve, o tempo
De
se ouvir o eco vago
Do
papel recortado nos sobrescritos
Que beijam à força
O
fundo frio do metal
Da
caixa do correio. Toca ao mesmo
Tempo
as campainhas,
Mestria
de pianista que conhece
Os
nomes de quem
Ali
mora - «Correiiiooo…
…Obrigado!»
Uma
velha traça
Meia
a circunferência
Da
sua corcunda,
Pela
faixa de rodagem. Um puto
Vestido
com casaco
De
capuz, abstrai-se
Suspenso
pelas batidas
Da
bola que empresta
Ao
ar, sincopado
Por
segundos. Vira a esquina.
Três
personagens, deles
Dois
homens e
Uma
mulher. Todos
Indecisos
pelo lugar
Onde
perder o tempo: à sombra?
Está
frio. Ao sol, sentados
No
murete da escada do prédio?
Está
ocupado por mim.
Na
esquina?
Cheira
a mijo. Ficam aí.
A
mulher fala, com a boca
Virada
para a calçada,
Enquanto
folheia
Uma
revista. Um dos homens
Protege
a esquina
Com
o seu corpo, um pé
No
chão e o outro
Na
construção. Ambas as mãos
Nos
bolsos. A mulher dobra
A
revista, enquanto não
Se
cala, e altera
Constantemente
a mão
Que
segura aquela «Quando
Estamos
a aprender, é normal»
Dizem.
Cala-se a mulher,
Continua
um homem para
O
outro em diálogo
De
todos. A mulher muda
O
sentido das madeixas
Do
seu cabelo,
Com
uma das mãos, a outra segura
A
revista. Dobra a revista,
Começa
a falar, gesticula
Na
direcção dos peitos
Dos
homens. Se cala,
Empunha
a revista
Na
página anterior, aberta
Ao
acaso. Aproxima-se
Do
fim daquela
Publicação.
Quase sem palavras,
Fotografias
de outros
Homens,
mulheres, todos
Sorriem,
imagens
De
receitas, um belo lombo
De
qualquer coisa
Que
se come. Atado
Por
cordas. Uma outra velha
Passa
pelo grupo, despercebida
Enquanto
coxeia, puxada
Por
dois cães presos
Pelas
trelas, aventura-se igualmente
Pela
faixa de rodagem. É uma
Hora
em que dá para isso,
Uma
pequena frincha
No
tempo da cidade,
Para
os que nada já
Têm
a perder, para os velhos
Audazes,
inconscientes
De
todos os vícios, os que falam
Uma
língua estrangeira,
Uma
mamã africana vestida
Com
as cores dos frutos
Verdadeiros.
Outro
dia, sopra o vento pelas bermas
O
que sobra de usado, vincado
Pela
leveza dos materiais
Que
não desaparecem. Pássaros
De
corda, prescindem das asas
Para
serem como nós, alheados
Das
nuvens, desenhando o desnível
Ruços
de vidraço.
A
folhagem motorizada
Das
árvores em diálogos de óleo,
Lubrificados
abraços a nada
Nos
intervalos da dúvida. Seguram
A
língua com uma
Das
mãos junto
À
boca, posições
De
gesso. Duas mulheres
Alinhadas
à face
De
um edifício
De
apartamentos, olham
A
estrada raramente vazia. Um veículo
Trava
a fundo, evitando
Um
mal menor, a morte
De
alguém. Que falta
Me
fazem. E disso
Não
sabem. Olham a estrada,
As
mulheres, com a calma
Das
desocupadas. Fervem
A
sopa da semana
Directamente
no estômago – lhes azedam
Os
gestos pelos quais
Comunicam,
em morse
De
maxilares quase
Imperceptíveis.
Ouvem-se,
Sobretudo
quando alguém
No
seu julgamento
Passa
mal vestido, com uma
Cor
fora do tom. Uma camisa
Fora
do seu lugar. Sopra o vento
Pelos
fios condutores, ao alto
Pelos
cordões das roupas,
Pelos
cabelos quase todos,
Pelas
árvores. Os pássaros
Aflitos
de tanto transtorno,
Ou
simplesmente desinteressados
Pelo
espaço que a eles pertence,
Sem
mistério nem engarrafamentos,
Escolhem
o solo, para aí
Se
perderem no seu tracejado
De
procura por algo
Que
os forre, por dentro, e assim
Tornar
os órgãos úteis. A ameaça
Da
chuva como pedaços de ondas
Dissidentes
do lugar de onde
Vêm.
Se liberta a luz
Do
final da tarde, para desaparecer
Por
entre o trânsito, pelo interior
De
comboios e escritórios, uma luz
Solitária,
acendida por dentro
De
um veículo, por alguém
Que
não vê o sítio
Às
coisas. Acendem-se
Os
sinais de mudança
De
direcção de um
Autocarro
que retoma
A
sua marcha na faixa
De
rodagem. Os habitantes
Da
cidade, retomam
Os
seus lugares no hábito
Dos
dias. Comprimem-se
Contra
os vidros das paragens
Dos
transportes públicos. O comboio
Parte
acima das suas cabeças, o ser
Agrupa-se
em números
De
dedos, de uma mão
Afastam-se
o indispensável
Para
que, por eles, passe
O
ar viciado. Da urbe
Pedra
em lioz, amolecida
Nos
cantos pela água que fala
Devagar.
Violentada aqui
E
ali por negativos abertos
Para
inserção de grelhas
De
ventilação, pontos de luz
E
fixações de metal
Intrusivo.
Pela sua superfície
Falo,
de muros alguns
Próximos
e de outros
Ainda
por construir. Nomes
De
fugitivos, dedos
Em
crescimento, pintados pela pressa
Da
mensagem vertical, olhos semicerrados
A
contemplar pouca coisa
Na
parede em frente. Sinal
Sonoro.
Um comboio está
Para
partir, um outro chega. Repartem
Por
eles o que resta da luz
Nas
ruas. Outra luz
Se
esgueira pela abertura
Do
túnel. Insectos sentimentais, exaustos dali
Saem com costas vergadas. Saem e
Suas
mãos vazias.
Subscrever:
Mensagens (Atom)