domingo, 28 de junho de 2015

E NINGUÉM






O chão acaba
Ao poema. A sombra
Que dispo, quando
Em ti fico de súbito
Sem pé. O animal se segura
Às linhas da folha, jura
Só por si à medida
Que se aproxima e estanca,
Devolvendo a imobilidade
Como imagem àquela
Água parada, na berma.
Tenho fobia ao horizonte
Repetente, ocupo
O lugar à sua construção,
Perturbando a escama
Do silêncio. A intempérie
É toda luz
Que eclode de um
Sonho vívido e seu igual
Estranho à mesma, uma
Realidade aumentada,
Amputada, aferida por um
Segundo imperfeito, criando
Tempos ao tempo
Por dentro costurados e
Sem portas uma estrada
Uma só e todos os sentidos
Se confundem.
O grilo não tem voz,
Como não tem do pé
Para a mão, a tradução
Para a dor. Resta
O fado da espécie que
Ecoa inclinado, efémero,
No mesmo sentido em que
Vou adormecer
A noite, não se vê assim
A olho nu não se dá por ela
Esquecida que está
A um canto, caída
No fim de um chão
Que desaparece para lá
Da camada de desgaste,
Articulada para ser
Compactação de pontos
Singulares, desajustados e
Acomodados à mão
Pelo artífice que molda
Toda memória falante.
Ao infinito o que é dele
Por entre a ilusão de ser
Um tudo-nada diferente
Na voz ensaiada única vez,
Apertada contra o peito;
Decorado pela multidão,
Todo ângulo é desperdiçado
(Seu gume)
Na cor branca desafiadora
Que o dia outro, escrito
Pelos corpos acima
Do nível de metro.
A limalha imaterial
Forma, com rasgo,
A ferida do olhar em um
Momento imediatamente
Antes de acontecer
Gesto ou acção, gratuitos,
Conforme ao modo de ser
Do caçador furtivo,
Que me emociona, incomodado,
Com a captura do seu jeito
Na armadilha da lente
Minha fotografia.
Dada a mão ao esqueleto
Da ternura, sobressai a nota
Da canção que se sabe
A dois, e deste número
O desconforto da luz
Que se despenha, aguçada
Faca a atraiçoar
A mancha informe
Desta criança em ponto
Na hora do meio.
Olhar em frente e sempre
Na direcção mesma que é
Saber mais que há pouco,
E provocar dano,
Com esta matemática
Colateral, se despedindo
Das frases com sentido
Oculto, sua condição
Em relevo é barbote
Inquinador das construções
À vista atirantadas,
Sem lugar para o ser.
Mantas de retalhos:
Espalhados os destroços
De carvão, acentuados
No papel vegetal
Dos anos. Um vento
Como outro
Aceno a um desconhecido.
Sua prótese uma perna,
Para ali atirada, esquecida
Por este viandante
Que anda só
De ver. À justa
Os atacadores prendem
A atenção de um olhar
Ao chão.
O pilar aguenta
Dois arcos e voltas
A ser pedra, preferes assim
Deixar alguns
Espaços em branco
Na calçada imprecisa
Que separa os elementos
Alma e rua.
«Por nós e por ti», não
Deixo de sorrir
Enquanto vejo que não é
Nada, é só
Papel de parede. Tão velho
Que não chega
A ser verdade, uma
Letra mais carregada no início
Da esquina que vira
Para os teus lados, precisamente
Na garganta a artéria
Se emenda pela ilusão de
Alguém estar quase a aparecer
Por ali. Tão velho
Que não chega
A ser mais do que
Mera recta para o céu
Se despistar, de encontro
Ao ângulo traçado
Pela lomba
Do teu cinismo
E uma perna-de-pau.
Roupas e muletas,
Andrajos encostados ao corpo
Explicando a paisagem
De um plano para outro,
Tocadores de acordeão
Desnivelando a sombra
No rosto, parcialmente escondido
Pelo feltro do pensamento,
Desafinado pelo sol.
A caveira sorri, frontal
Grande plano,
São ossos o que estorvam
Esta linguagem, uma liberdade
Impossível de ser tocada,
Um perfil betumado
De ilusão é tudo
Quanto te peço
Para o evitar.
O monumento aos deuses
Por nascer, esperando
Ser corrigido por uma
Tinta de cor diferente,
Suas palavras escritas
Por um punho incrédulo,
Na legenda a seus pés.
A arte da pedra
Amaciada à força,
Descarnada por um olhar
Seguro de si,
Apontado a escopro.
Lhe seguram os braços
Ao menino, sua infância
Apedrejada pela dúvida
De tudo ser escala
A si maior.
Olha para o chão e
Sente vertigens
Por o chão ser infinito
A despoletar essa dúvida
E caminhos.
Pontos de luz imensa,
Apunhalam e atravessam
A malha da noite
A dois tempos. O motor
No lugar do coração
E todas lágrimas derramadas
Como combustível.

domingo, 7 de junho de 2015

AMARGO







Um olhar preciso me fere
De frente se atravessa com a velocidade
De quem tudo perde
Neste ponto.
Feições arreganhadas no corpo
Em alicate o braço
Segura o leito
Desmembrado da insónia.
Vida mulata filho da preta
C´um raio
Desapegado, postiço
É o sol seu pai.
No semblante contorcido
Até não ter ângulo
O silêncio é sua estridência.
Da tragédia descansa
Uma esperança sem cor
Na maciez boleada
Nascida no ombro
Da mãe.
As mãos entrelaçadas como
Um chão onde
Se estatela um rosto
Demasiado magro
Das imagens que ficam
Por amanhecer.
O querubim estático e negro
Pousa o polegar
Na boca em febre.
Cabeças rapadas e outras
Debaixo de um telhado
Tecido com rendas.
A palavra expulsa
Com estrondo, a porta
Na garganta
Se fecha, a boca
Cimbrada em toda a extensão
Pelo espanto em perfil.
Esse olhar refugiado
Na terra do outro
Que é multidão
Para quem não conhece.
A sombra que faz
Um segundo apertado
Pela mão em ponteiro, cravado
No baldio de um
Rosto. Cinzelado pela vertigem
Um espaço com parede
Ao fundo.
Inclinadamente militar
E vadio. Juro
À pátria que é todo
O sangue pontapeado
Pelo meu coração.
Assomam fantasmas
Queixo caído, vívidos,
À transparência suas mãos
Cortam os nós
Na serralharia afiada
Da guarda que os protege,
E se perdem em um encontro
Com seu hálito
Simétrico. Oposto
Em temperaturas, um final
Que é dia e lugar
Para o ser, coisa
Nenhuma. É a sede
Por estilhaços, entendo
Toda a cor
Que me é apontada
Pelas vidraças, quando se despem
E se despedem
Do abraço apertado
Dos vãos, dos quais
Se separam
A caminho do chão.
A poesia, sua pele
Acondicionada por arames
Retorcidos, queimados
Pelo óleo da noite.
Portas encerram
O capítulo do espaço,
Para lá ficam, apertados
Estes rostos quando esboçam
Um desalento na maior
Medida. Que outra ciência
Melhor os traduza
Para quem está
Deste lado
E ao contrário.