domingo, 21 de fevereiro de 2016

EMPALME








Empalmo noite dentro a três quartos (e em nenhum o leito) de medida vazia; ponho no prego o tecido (e quase nada mo dão por ele) puído pela caliça que se desprende das sombras. Sombras vertidas pelo mundo da rua em frente, projectada a subir pelas paredes dos três quartos. A vizinhança uma árvore grande porte, um estorvo de braços a sujar-me as paredes, rasurando de movimentos claro-escuro texto em branco impresso à lixa e força de braço, deixando à mostra o osso e coisas minhas. De luva grossa atrasando o gesto, interrompo o dia à conversa sobre outro dia, o atando com fios de óleo queimado, sobre aquele eu derramando formas de perfil (seja frontal) ferruginoso; rostos tornados rijos pela têmpera de um pensar excessivo, espalhado ao comprido do espaço apenas sonhado. Jogo a última carta naipe mãos agarrando paus à mesa meu peito; unhas encardidas rente ao sabugo dos dedos, roídas até ao carvão pelos dias incisivos. Teus olhos diferentes pelo par amarrotado no papel do bolso, mal olhado mesmo assim visível que um dos olhos tem nele o sol engastado, o outro a noite sem fim. Nariz em cera pronunciado de trás para a frente perto de mim, conferida a curva da lesão pela vida que te alçou a culatra atrás, e sobre ti atiçou a alcateia elementar. Curvas rasgadas, à escala pretérita, parte do rolo impresso com traços rejeitados pela necessidade de outro desenho; o macadame da morte, espalhado sem rigor pela construção do teu rosto. Esta morte que é medo maiúsculo (ou sorte); o não saber (me dizes depois se era isto) porquê ao barulho que os dentes fazem rilhando à noite suas imagens incompletas. Azulejos noutra divisão, brancos, de linha fiada até à altura dos olhos, passando detrás à nuca em filete de pouca espessura, partindo daí plano inclinado a encontrarem parede aprumada, interrompida na sua opacidade pelo que de fora vem, mundo, por vãos de janela em número par. Se sabe que dia é, porque natural é a luz que morde os vidros. Quase nada do que tenho para comer, to ofereço em tosco vasilhame, ao que se vê fundo a ocupar os espaços vazios entre nós. Outro de nós que não conhecemos, encostado ao plano secundário rosto baixo a não permitir que se cruze com ele nosso olhar, inclinado a ver por ele esse outro fundo só seu. Larga tudo sombra, se é acertada a luz que em tudo tão bem cai. Aqui o chão vai de hexágonos, parte movediça, pisado ponto espaço ponto por andar desajeitado, despido da roupagem de usar por casa ou interior. Como certeza e acrescento, não é lá grande coisa.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

BARAÇO






Emanada do alto, categórica, a tessitura de mil cães famintos acomodando-se à raiva isolada em um corpo por ser. Corpo convertido (cortesia dos vindouros): sinal feito com dentes, recortando a imensidão de carne a abandonar no baldio da alma. Esqueletos de arame a aguentar carne temporal, se agitando em todos os sentidos esta voz prolongada, cortante, obrigando o conjunto dos ossos a aproximar-se do chão. Paredes-meias cordas sustentam instrumento simultâneo, disciplinado por mãos sem dono.  A escuridão ficará, tudo o mais…
É a percussão da morte a dar lugar ao gesto fluido, a dois novos corpos se arrastando; mãos dadas, mão solta tocando ao de leve a textura das memórias individuais. Estrada molhada, o sol vai alto na medida limpa do céu. Banco de jardim. Parte do sol, tatuado temporariamente no teu pescoço repetido e outro, reflectido na caixa de lata onde guardas, comovida, palavrões que esquecemos, mal que os dizemos um ao outro; passeias as unhas no fundo falso, o revolves, tirando à sorte um que nos mostras, rasgando depois o papel onde está, sem expressão. Cada um sempre um à frente nunca ao lado; o que não é um nem outro a faltar ao respeito à esquadria do caminho que o tem no chão. Agora. A súplica infinitamente desnecessária (olhos náufragos, deitados ao silêncio liquefeito), a servir como divisão, outra, passagem vital, entre instantes. Súbito entreolhar, destemperada gargalhada cúmplice. À faixa do meio apontar, conveniente seja ao enquadramento ditado pelo storyboard. Molhar os dedos, virar a folha; corrida breve entrar no edifício, percorrer um corredor luz nele a entrar pela janela única na parede à esquerda. Avesso sentido. Vamos. Que seja esta aquela escultura de vassouras sensíveis ao vento, deixada à vista no centro do espaço exterior. Volante à direita. Maquete de igreja, luzes a mais no interior quase fazendo desaparecer as paredes onde se prostram, implantada em acidentado terreno crepuscular. A porta se fecha; a última coisa a passar é perguntar por teu nome pela frincha, veloz, que é dia a desaparecer. Vista de cima, do sono. Luz branca. Meia-circunferência. Flores irreconhecíveis. Brinquedos de corda, ao abandono da razão. Gestos a prazo. Luz atirada para debaixo da mesa, desvio de atenção. O mesmo sem que to peça, teu rosto, meu espelho de fazer desperceber os dias; o que se passa debaixo da nossa janela comum. Soprar a cinza do cigarro que sempre me cai no pano. Enquanto é dali fora, buzina ensurdecedora a cortar a noite em quantos avos. O abraço do silêncio a apertar presença que fazem estes dois, um ao outro, miseráveis, andando ao tropeço inverso no chão celeste. Conseguir à força nada, que água não é ainda um nem outro.