quarta-feira, 28 de agosto de 2013

GEOMETRIA



sou suspeito
de ter apagado o fogo
no teu peito com inverno do ano
passado que trago esquecido

enquanto não vem o frio
que congela os teus movimentos
estação que tarda
problema adiado deitado
na almofada do dia seguinte

porém, lembro-me
de teres apanhado todas as folhas
castanhas caídas antes do gelo
e nelas teres cravado os dentes disponíveis
para escrever o belo
poema demente e cego de amor
em braile
para ser lido pelos mesmos dedos que te apontam
estrelas no céu
da boca que és corpo
água corrente para a sede que tenho
de pele hidratada

o que mudou além das horas?
dos continentes que somos como pessoas
em rotas de afastamento

o quadrado brusco que é o meu coração
transporta ainda as circunferências
do teu contorno imperfeito
melhor descritas por um compasso
de espera

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

SILÊNCIO





O que calo não tem cor – são pés descalços, mergulhados em meias tintas. Uma sensação curta, como saltar sozinho num descampado, montado por um céu decotado que mostra as suas ursas. O silêncio é um mistério complexo, percebido à distância como uma tempestade barulhenta, a partir da torre de pedra em que deixo as unhas, a caminho do seu topo mudo. Ouvi-lo, ao silêncio, abre a possibilidade da visita por alguém no meu cais de dentro, variado nas espécies que por vezes lhe atiram cordas, em marés de autor.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

LONG PLAY (LP)



As portas deste mundo em que toco, são escritas a vermelho. Em inglês pequeno. As mãos que as abrem agarram também a música, enquanto a noite quadrada ainda tem barriga para mais um vulto vestido de homem. O Jim é negro na roupa, mas por dentro pintava-se de tudo. O cordão umbilical dos sons nascidos prematuros em cima do palco, curto, é suficiente para o ligar aos primeiros tambores. Essa percussão atómica, tocada com mãos suaves na Costa do Marfim que o teu sorriso mostra, quando tens uns auscultadores colocados. A pele dos instrumentos, esticadas sobre uns joelhos dobrados para a paciência artesanal das melodias que vão ficar coladas, residentes, nos nossos ouvidos de mercador. Capas de corpos festivos, cobertos por linhas coloridas, tecidas por peixes costureiros. Aviadores duros de roer, da palheta partida numa mudança de direcção abrupta, sónica, sorriem quase nada para a fotografia de grupo no início da viagem. São os templos tornados cais de embarque para veículos voadores, iluminados por holofotes com o nome gravado na pedra das suas bases. Compra-se o bilhete para o autocarro guiado por pneus carecas, a caminho deste mundo louco, combatido por um coração grande de leão. Os faróis vão apagados, que há luz farta por entre os troncos que são o teu cabelo. E o horizonte, sempre ele, agarrado para mais perto pelas pegas de mala de viagem avulsas, sempre umas a mais, para quem lhe quiser tomar o caminho. O tempo não se esgota nas cores vivas, misturadas num jogo, com os ídolos com braços a mais a jogarem fora baralhos de cartas do mesmo naipe. Juntam-se num vermelho, naquela banda dos barulhos bons das guitarras assanhadas e mantras roucos da desordem anunciada. Poses beatas nos rostos, de quem presta vassalagem a rainhas mortas nos jardins da parada cardíaca. Construções com arcos de pedra solta, sobre essas cabeças de jovens para sempre, vestidos com corações bordados, muitos, para que nunca se perca uma batida. Cigarros acesos por cima da pólvora seca da pose, atirados à cara do fotógrafo. Infames na conversa de cordel comprado numa retrosaria barata de bairro já demolido. Lads Club. O galo negro interroga-se para onde aponta a seta, ao mesmo tempo que liberta o som preso num coração amarelo, bicado por uns pássaros estrábicos que comem alpista com formas de notas musicais. Estátuas do bom senso a três, tapadas abaixo dos órgãos sexuais, para que não se vejam as varizes, calçadas com peúgas na mesma cor dessas pernas paradas. Comem a uva e a grainha, e acendem velas à nossa senhora da ferradura. Calçados, dançam.