domingo, 25 de junho de 2017

ESSE MESMO MOTIVO






Em risco. Amarelo, castanho, branco. Por cima ao que vai de perna, coxa. Usa ela véu e signos de mar e vento. Cai de um sono profundo. Lhe ofereço traços de horizonte, terra batida, barba e cabelo. Por um nada os olhos fechados, pestanas atracadas ao rosto. Abrimos o coração, fechamos a porta para os outros de nós. O sol não se vê já; teus seios sim e minha mão livre, torcida pelo desejo de os querer como segunda pele à primeira tentativa. Duas páginas em negro, uma em branco e a que vem mal escrita. Um tempo, uma data, um ano, um antro, uma cidade, um evento, uma demão de gente, uma evidência. O nome que lhes foi dado. Produtos do ócio, mercadorias conseguidas a troco dos elementos naturais. Não me falem em fogos, para já. Digo sim, a palavras novas, digo sim, a beijos mortais. A coisa que fique por algum tempo. O nome principal de uma organização secreta. Mancha escrita, texto pintado. Olhar ali. A linha curva de um crânio diluído no fundo cinza desce a pique se enruga acima dos olhos, vai de ângulo continuando a queda para a boca. Lábios juntos, voz aprisionada. Do pescoço para baixo, roupas apertadas, adivinhas. Mão fechada ao cabo do espelho virado para ti. Rosto e sol, hábeis instrumentos de encadeamento. Nudez e distância. O mistério rabiscado nas tuas costas. Superfície omnifóbica, o quotidiano. Nada fica. A distracção, punida pelo ponteiro afiado dos mestres transformadores de elementos pétreos. Mãos entrelaçadas, pesadelos contornados pelo lado do avesso. A ânsia pelo conteúdo, o abismo da peça maciça. Inquebrantável. Veios de madeira a fingir. Música deixada a tocar no último quarto, chegando pelo corredor, saindo pela janela, voltando a encontrar a mesma árvore. Toca e foge. A fúria por nada mais ter por dizer, estampando o veículo do coração de encontro à parede óssea deste edifício aldrabado que tenho por habitação corrente. Simbólico. O programa da vida, impresso nos mosaicos: reflexos e distorções, nenhuma verdade. Enfatizar a superfície, mostrar o contrário. Abandonar a história. Orientar o caminho a olho, rasgar o projecto insuficiente. Me ponho a jeito ao corte do golpe das tuas mãos, mãos listadas de noite dia. Olhar ligado pelos tecidos do corpo. Alma vendada pela espessura do esquecimento. Esperar ligar um ponto ao outro, por traço de contacto. Ter sede, não ligar. Com rede de malha apertada, vedar o acesso ao lugar da obra. Aterrar a cratera da dúvida, com materiais de empréstimo. Engolir o mar, vomitar o abismo. Noite e água de rosas. Um dragão por dedo, ateando espasmo à linha do teu desencontro. Assinar de lado a tragédia que evitamos, voltando as costas um para outro. A vocação levada ao extremo; tocar em tudo, não sair na próxima paragem, não limpar os óculos. Vestir preto e rosa em dias diferentes, gostar dos dois e de nada. Levar o contorno dos nossos perfis a ser nunca mais que um princípio de nevoeiro, soprado de cima por anjos incaracterísticos. Pendurados pelos cantos, os espinhos desta flor nauseabunda que nos enterra vivos com o perfume de corações decompostos. O articulado romântico, martelado nas colunas do artigo retalhado à unidade. O amor às formas, mandado àquela parte. A alma, flor que não vinga, uma ordem de números ao fundo na folha, em letra pequena. Não é nada, dizes. Um olho-de-boi por onde se vê, do outro lado da porta de segurança, um paraíso de sentido único. E uma mãe cansada, montada por anjo de segunda. Anjo selvagem mascando o tabaco do céu, cuspindo curto e grosso esta pasta do hábito no corpo da outra senhora. Toda visão, guardada de cada lado por um colosso aborrecido, acentuado no tom narcótico; tão distantes ou mais, como aquilo que guardam para si. E ninguém os vem render, até ver. O motivo, é só metade da razão. Ganha-se em tudo, não se perdendo pitada. Fraca evidência. Semente amarga. Serpentes, serpentinas fulminantes. A festa do teu rosto sério, impassível, enquanto dizes entre tantas vezes. A caveira se parte em suspiros, améns e loas. Cordas afinadas por executante cabisbaixo. Estátuas de musgo, uma posta a cada lado seu, choram a seus pés larvas intermitentes. Servem-se licores e venenos, entornas o corpo no chão flutuante. Espalhas um livro por cada divisão ao lugar, te demoras diferente em cada fim a dar a cada um que pede outra coisa. Tiras vermelhas, rubor esfiapado, cobrindo tuas vergonhas, mal dando em me impedir de te cobrir uniformemente com o óleo da minha mania. Louvada sejas, por me pores pior. Corto a sebe da intransigência com faca romba – belos desenhos, de monstros encostados ao fundo no jardim do horizonte. Alma de pavão, corpo infinito. Nus, de joelhos; encostamos as mãos de ambos, à armadura fria de um Deus corpulento olhando sem expressão, para depois de nós, na direcção dos destroços que plantámos nesta noite fértil. Ponto, ponto, ponto. Pontos desenham o deserto de vidro que se estende, estável, a nossos pés encardidos. E ninguém dorme, enquanto água não for encontrada, dê por onde der seja qual for o estorvo para quem. Sol negro. Triângulo castanho, inserido em triângulo branco. Línguas-de-gato, espalhadas ao fundo das escadas para o sótão. Símios. Jogos de azar. Constelações em aço temperado, temperaturas desmedidas. Resistência ao corte, frágil à compressão. Não mexer, enquanto se não resolver outra coisa e outro destino. Corresponder a cada parede, uma fixação. Mentir sempre, em lugar do morto. Trazer à vida, as figuras femininas cinzeladas no friso da imaginação. Perder a altimetria, esta noção de altura certa. Jogar tudo aos bichos. Lamber-te os dedos, empurrá-los para a tomada de corrente; fazer do sémen bom condutor. Estragar tudo com palavras de amor. Escolher sempre fruta da época, esquecer o que foi dito ainda ontem. Melhorar os insultos proferidos, com os dentes a ranger, durante todo santo dia. Fingir que não se liga a nada. Exagerar na água a verter, por sobre as plantas já mortas. Falar para elas.

domingo, 18 de junho de 2017

MEIO FÍSICO






O gato aparece por detrás ao caixote do lixo; se afasta para o lado lento, oscilando tremendamente sua cabeça, até parar. Quando para ali olho de novo, já lá não está. 

«Já não conhece ninguém», grita de outro lado um mais velho, a outro que passa. A menina, cinzenta e magra, vem. A menina foi, levando seu horizonte de metro contado, dos olhos ao chão. O electricista de Alta Tensão abandona este lugar de todos; vai ao volante do seu motor, a fazer pisca para desaparecer na próxima curva. O pássaro bate algumas vezes a asa, e deixa-se ir, por momentos, a planar. Outros pássaros, imóveis, cantam pelas árvores.

O fumo sai, pela chaminé da casa acabada de caiar.

Estalam folhas secas, anunciando pessoas chegando devagar; pessoas atirando a correia do olhar por cima do ombro que trago a descoberto; pessoas querendo já, e antes de me olharem bem os olhos, perguntar qualquer coisa. Por este caminho, nada dou. Muitos pássaros dizem, cantam. E as árvores falam do vento, por cima de todos. O sol acaba todas as frases, manchando-as de luz tardia; quase horas de fechar o dia.

«Boa tarde» e festas ao cão. Vêm mais cães, e mais pessoas por eles. Se alargam trelas à medida das suas conversas, e se colhem ervas de cheiro. Enganam-se na rua, outros, e levam os carros a dar volta completa à rotunda, por dentro, saindo de cena imediatamente pelo lugar de onde vieram. O que me está à frente é motivo suficiente para me enganar, no que lá atrás de mim ficou ainda parte. Me perco a olhar para o que não tem já forma precisa, não sendo mais que outra nuvem passageira.

«A ele lhe morde mesmo», não sei já quem foi. Quem se enganou lá atrás, vem outra vez a se repetir, cravando os olhos em mim, como se a resposta para a sua direcção, estivesse sentada a meu lado no banco corrido. Enganas-te, penso, uma e esta vez também, não fazendo disso caso.

O pai chega à porta do prédio, com o filho lhe dormindo no colo. A outra mão, livremente carregando o pesado saco de víveres. Pousa aquele na pedra sem acordar, encosta-o à parede, procura nos bolsos a chave da porta da rua. Entretanto, automaticamente, de um andar acima lhe abrem a porta. Junta tudo, vai para dentro.

A rola toca a tarde, com frase igual muitas vezes chega até nós.

O passeador de cães, nada tem que ver com os outros de quem falámos. Têm em comum um animal. Só. Vem de olhar esgazeado, animal em duplicado; entra pela direita a meu ver, se desloca para o lado onde o sol se está a ir, num repente. Faz barulho, acrescento, assobiando ária de ópera qualquer, não me soando a desconhecido. Música dos outros passando por ele, rondando as árvores, uma e mais voltas, subindo e descendo de intenso, conforme tudo ali o permita e com isso jogue a favor.

Vento     pássaros     moradores     terra.
Algumas casas, avançam.

A sinalização horizontal, branca, passada ao chão, ligando esta rua às outras. É o fio esticado até onde posso ir. E se perde assim já, um suficiente de meada. Ainda experimento chegar, ao poema que aqui me trouxe para o escrever. Coreografias de espaço     ponto     espaço     traço; a conversa sobre si, de volta aqui. Arte invisual. O objecto resgatado ao resultado incerto do seu corpo.

O passeador de cães entretanto vai, assobiando para o ar. O poema não fica pior, se aqui paro um pouco, seguindo até dar, com o olhar, esta figura assumindo o papel importante de se atravessar no caminho do que ainda virá.

Imagens convertidas à pressa, recuperadas para a escritura. E vice-versa, para outras que se perdem e bem. Motoriza-se a fala dos bichos, põe-se a nu a acção plástica. Contínua forma de desprezo, ao que se resume numa só frase. Tenho dito. Isto e nada. Ou um rosto, estragando a passagem de mão inteira, na cor escura dos dias iguais. Os sentidos, e forma de obter essa experiência de estar por aqui, não são negados ao contorno aparente: olhos, nariz, boca. E uma alma por trás, a sustentar o que sobra de dúvida. No dia que foi quente, desperta este frio que chega para ficar por dentro. No desconforto da permanência, procura o rosto outro lado para desaparecer, por entre acções transparentes. Faltando deixar isto como estava.

A construção do passado, sobrevive, empurrando o pouco espaço que ocupa, para fora da língua em que é pensada. Acontece conhecer esta aquela textura, na liga leve desse espaço que se inquieta com a cor branca. Mãos caem, segurando o chão ao absurdo da infância. Riscar o fósforo ou destapar a caneta, ambos riscadores de único tempo.

O respigador empurra o carrinho de mão; aparece no lugar do gato, faz tudo igual a ele.

Voltar à casa, atirar com a porta. Negar toda e qualquer resposta, às vozes que me vêm encontrar num dado ponto do corredor. Esvazio os bolsos, e vou aflito entrar na última divisão do espaço, direito à tela a envenenando com a tua mancha ainda quente na ideia. Voltas a voltar à casa; daí até à ideia, passas um risco por cima. Mau demais, para serem frases de verdade.

O corpo anexa à disposição dos obstáculos, sua mania linear. Traça um intervalo por haver, incorre numa linguagem em desuso, por ali fora, inconsciente do desejo que o anima. Dá lume aos cantos, no propósito único de accionar as sombras aí deitadas; onde a luz, qualquer que fosse, aí não chegava. Excursionista da negação, não dás parte de fraco. Sais ao caminho, onde sabes que te vais perder. De olhos bem abertos, oxigenas a alma com a última imagem da cordilheira do rito. Enjoas, e vomitas forte, à primeira sacudidela.

Nunca escolho a dureza ao riscador. Antes espalho algumas linhas e outros tantos lados de qualquer coisa; se depois conseguir fazer isso tudo desaparecer com esse instrumento, a sorte não saiu má.

A imagem da criatura, é sempre um arco abatido.

Marcar um som, na proximidade da boca. Interrompo este raciocínio, com as pequenas coisas da vida. Dentro de um vestido vermelho esta mulher, uma flauta nos beiços. Uma harpa metida no meio de violinos, prendendo numa melodia desconcertante a teia do lugar a que nunca se chega. Saudades de nada, tudo sempre tão presente por adição desmedida. E o espaço é sempre tão pouco para mais, ou nenhum.

A cantiga do inimigo é suave. O desinteresse pela refrega é total. Se esconde o sangue, longe de espelhos e arestas vivas. Não se toma banho, se lava à gato fora de horas, à pressa. Teu corpo hiperbolizado por furações maníacas, por aí levando o agora ao outro lado. De perfil, um seio é sempre sintoma de febre, uso e costume. Albergar tantos candeeiros, vestidos de vidro fraco e luzes tremidas, tal a soberba da noite composta. Ainda que em contramão. Com a certeza dos incertos levantar os pontos à topografia do horrível sem falhas, acertando a hora pelo pulso cortado do autómato. Faz-se contas de cabeça, joga-se a mão a perder o fio. Volta-se e é sempre princípio, acabando por nunca se ver o fim ao fundo.

Falo de memória, e nunca de um plano de emergência. Antes fosse, como te direi mais à frente. Desaparecer para nunca mais é um luxo para quem pode fazer disso, vida. Ilusionistas, ou ninguém. Virá a ser o mesmo, aqui em toda a parte. A verdade é o monumento que nos acostumamos a ignorar, andamos nós perdidos por entre o casario. Nem porta se vê ali. Um absurdo, se é coisa para tão pouco.

Em azul claro, a linha se endireita, vem ao fim, se precipita e escurece em parte, certamente ali. De baixo para cima, pode ser algo suficientemente sólido onde ancorar o olhar. O céu se deixa em branco, sabe-se lá. À transparência, se lê a bula do remédio esquecida no fundo da gaveta. A palavra deste lado fica doente com a do outro. Não serve. Então, o poema. Fora das leis da geometria, não há culpados. Num ponto a morte, é sempre a fuga à contenção das formas para a dizer melhor. Os sopros da noite tocada batem no tímpano do pano já em baixo, e voltam para trás. Sobre imagem ou reflexão infundada, é à medida que se perde misericórdia. A regra não vale o ouro que vocês aí reclamam. As horas são passadas de cabeça para baixo, abaixo do nível das águas no ventre da Mãe Saudade.

Contas os pilares à planta baixa. Falta um elemento vertical à estrutura que te sustenta. Ninguém por nada deu. Há muito que desapareceste, vivendo perto.

sábado, 10 de junho de 2017

DÉCOR







Ensaio o tempo
Ficando. Falta
Ordenar a vida
Andando, passando
À frente.

As gentes desta hora
De vento, vindo
Contrárias. Sentidas.

Perder hoje, o corpo,
É criar
A condição perfeita, inalterável
Tempestade para a
Formação de um
Objecto pleno
De amor e marcas
De mão, transitando
A direcção dos olhos
Para nada
Ver, indiferente.

De qualquer forma articulando
A morte ao longo
De toda a criação, simples
Momento feito fuga
Entre cada um.

Ao último presente, ligar
A verdade. Apagar
A cal da memória
Com a rebentação
Nocturna, anterior
A ires ao largo,
Encontrando esse
Naufrágio diário,
Caso contrário…falta
A hoje um fim
A dar
Com pau.

Pode a expressão resultar
Vazia, à justa de um
Homem habitando
A circunferência do hábito.

Romper a violência
Do vazio, é
Tempo de dizer
Livre, carregado
Dessa tensão inflexível,
Quase final,
Com que se reveste
Um todo
Durante.

Aquele quem era tinha
Curto o exterior.

Responder desse modo
Brusco, funcional,
Com a narrativa rangendo
Automaticamente entredentes.

Erro original.

Imagens transitórias, desordenadas,
Reflectidas entre as chapas
Formando compartimento
Atravessado na garganta.

Nenhum mundo, o tempo.

Formas, sujeitos – o futuro
Da ideia. Ordem
Pré-estabelecida. E não
Há Deus que
Ponha ordem
Nisto. Vem
A lume, jogar
A feijões, ou não
Venhas.

Pago nessa moeda,
Para ver
O fim à linha.

Centradas, imagens e linha
Forçam o caminho
Do isolamento.

Pontos postos, triangulando
O lugar desaparecendo. Mais
A distância se equilibra,
Na estória de um
Horizonte.

Imensa cena
Onde se tropeça
A meio, atravessado
O entender, parando
A isso o sentido
Dado.

Uma conta mal feita. Um
Resultado esperado.

Tudo e outros, concorrendo
À anulação das páginas
Sobre isso, qualquer
Coisa.

Uma despedida,
Como sempre.

Atacaram, ontem ainda,
A normalidade. Um agente
Ficou ferido. Disseram que
Passou na televisão.

Bárbaros. Simples
Atenções dadas aos pormenores
Mínimos, encontros de sons
E palavras gritadas
À minha atenção. Me remeto
Ao silêncio, que o não é,
Enquanto a pedra for
Minha pele e por dentro
A raiva
Lume.

Nascido neutro
Noutra fase. Avançar,
Procurar perder
A razão. Despoletar
Em altura a cidade, livre
De especiarias e exemplos
De tempo. Ignorar o centro
Ao projectado, levar
A espuma que rebenta
Ao fundo
Da boca,
A ver o mar.

Ligar a Natureza
Que nos habita
Com esta
Língua de trapo,
Vestir o céu
A espaços,
Com faixas negras.

Amarar em doca seca
A última palavra.

Carregar o fardo
De palha d´aço e
Deixá-lo cair
A teus pés.

Carregas de tempestade
O que não compreendes.

Em minha defesa,
Te digo não, já
Volto daqui
A nada, quando
Já esteja
Bem passado.

Sua besta
Quadrada. Nada
Mais tenho
Para te dizer.

O tempo bom, é
Uma boca
Com mau-hálito
Numa cara laroca. Feio é,
Bonito lhe parece.

Alargo a fossa,
Para que nunca te falte
Nada e espaço
Para as tuas merdas.

Já te calavas. E paravas
Noutra divisão. Outro
Ser, agora. Aí em
Baixo.

Olhas para o perto
Dos lugares com cerca,
Sem continuidade. Não
Largas o baralho,
O seguras
Junto ao peito,
Indo aos poucos
Pescar mais
Algumas cartas
Ao monte delas,
Espalhadas desordenadamente
Ao teu lado
No sofá. Mudas
A carta da frente
Para o fim e
Isto durante
Algum tempo.

Estremecem minúsculos seres
No chão cinzento
Da apatia. Cruzas a pista
Às pernas, um pé
Ante o outro.

Chove, copiado
De outro tempo.

Vens descalça, respeitando
As linhas do mosaico. Traças tuas
Diagonais e um sorriso
Ancorados ao muro
Do meu ser.

Me procuras
O colo, estendes
Pernas para fora
Do nosso contorno,
Ao ouvido me dizes
Que nunca dás as costas
Ao corredor, muito menos
À porta de entrada
Na habitação.

Pousas o baralho
Na folha branca
Junto de nós,
Sobre a mesa. Ensaias
A cor de um tempo,
Instalas em mim
A confusão de um
Rosto que se apaga
Para dar lugar
Ao olhar sobre
Este nada. Verdade ou
Consequência.

Por debaixo ao mesmo
Vestido, aí entramos
A pés juntos.

Aproximas o rosto
Do chão, com ele
Formas um ângulo
Ausente. Provocas a esquina
Com a luz da
Tua nudez. Pregas alisadas
A duas mãos. Transmite-se
A outra face, ai de nós,
À lisura tosca
De uma superfície
Que nos ampara.

Emolduras os teus
Primeiros passos
Na direcção do que foi,
Dás umas quantas voltas
Ao coração, com fio
De nylon, corrompes
Essa pele mínima
Com bijuteria pesada. Alargas
O furo já feito; trespassas
A luz branca do projector
Com a mão livre,
Radiografas a bainha
Com motivos geométricos
Ao cortinado preso
À janela fechada
Para a rua. Redundante.

De costas voltadas,
Dispões as cadeiras
Que sobram à divisão;
Endireitas o espelho do tecto
Onde nos repetimos. Aí
Se prende, num dos vértices,
Um ramo de flores
De cabeça para baixo,
Secando ao ar.

Acendes de boca
A vela dos mortos
E um cigarro por favor
Para nós. Abres tiro
Aos pratos com o
Sapateado demente
Das tuas frases
Soltas. O animal
Estatelado, sendo eu,
Mais não é que
Uma falha no décor.