Lado
(geralmente o direito) em determinado sentido da mão dissoluta que a tudo se
deita. De modo lento vai a luz, se despede, por detrás da mão que mede a
distância do infinito a si, proximidade à força. O discurso da obstinação, enquanto
crença, é um cravo desviado para a superfície pulvurenta do peito. Um lugar desenhado
à mão levantada, meio de transmissão para os corpos em perspectiva alguma. Por
direcção aberta se resume um corpo em orifícios, à força de instrumentos
cranianos. Água a maior parte, grave de transparências, pela matéria de extensão.
De modo lento vai a luz, se despede, do corpo rígido de alguém qualquer coisa
que é a sombra, se levanta e se explica à força de braços a diagonal curta do
espaço que se percorre. Dividida mão por abrir mão em flor, esmurrada de intenção.
Aqui fico vermelho, sem uma luz que o diga, assim sombra, em um ponto alguma insensibilidade
à transparência. Gestos de grafite, decompostos pela maciez de uma língua em
sede, no modo forâneo como se aproxima ao mar do outro corpo. Como desdizer o
rosto, derramado este pela pele que nada veste à vista desarmada. Se alarma o
utensílio do corpo em verbos que se encaixam por antiguidade, enformados pela
boca. Fadiga romba, o desperdício da mão interrompida no gume afiado do abismo.
De modo lento vai a luz, se despede, em forma de útero a sombra se vai para os
pés do mar que foge da traição das rochas por onde o grito se despenha. Peito a
que se deita mão. Mão a medir o espaço que não existe em um corpo nu do pé para
a mão. Prazer ressentido de inserções, as extremidades de um comportamento. A bissectriz
do que vejo fora de mão assim a mão rogada por baixo. Vem – fala a voz usada em
segunda mão. A manhã que virá, inundada já por cedilhas exteriores ao bicho
que, assim, se prolonga carne ao nome a que pertence. A boca mesma do corpo grosso
da letra, em rigorosa tonalidade de tempo perdido. Sólidos que se engolem
geométricos pela sua simplicidade, da boca a paisagem rasgada por edifícios de branco
aguçado no final da frase que se desconsegue isolada, no desequilíbrio do
conjunto desordenado de coisas que se calam pela espessura. Atormentação imóvel
de uma só folha, a parede que escolhes para o acidente de um de nós. Incisivos
me mordam, falhos de forma se assim for suficientemente plástica a expressão
que nego em próteses. Por entre os espaços sobra o vento, se transforma nos
nomes que te chamo, entredentes, e se me solta o nó em matilha pela garganta. O
caminho, usado recentemente para a extinção dos ângulos que existem para nos
cegar, se excede assim para o lento modo em que a luz se despede. Altercação de
contornos pela unidade de um homem que se combina com outros. Por um segundo se
transtorna, é o grito do seu reflexo em fêmea forma, que da porta abre a voz e
diz – Levanta-te! Não estorves o pouco vento que aqui me chega – palavra
escrita, abandonada à pressa por outros. Uma indiscrição quando há tão pouco
espaço, à volta. Se vive à procura do espaço que se não tem para viver, palavra,
poesia garatujada numa pressa de comboio que há-de vir não tarda uma superfície
exposta à humidade da noite. Alçado de espessura vertical – parede
entrecortada, descontínua ilusão de coisa extensa – açoitado por vagas de pés
perdidos por chão. Colisões de átomos na moda, corpos cientificamente nus da
boca para dentro, pele de parede interrompida no ponto frágil do umbigo que se
aconselha virado para cima, exposto à inclemência solar, enquanto se transporta
para um outro parágrafo iniciado por minúsculas. O incómodo das asas em vento
raso às mãos que rejeitam o movimento, qualquer que ele seja. Num piscar de
olhos.
domingo, 31 de agosto de 2014
sábado, 16 de agosto de 2014
ENTREDENTE
Cito,
devagar, um fragmento da canção que não existe, ainda, em lugar inferior às
nuvens neste espaço esconso. Notas laterais, esquecidas do lugar assinalado
pela vigília em tons de vermelho. Semáforo. Paro para duvidar mais um pouco.
Não o conheço, assim de nome estranho em desajeito com os rostos que lembro. Nenhum
tem pescoço que, aqui, encaixe. Não o conheço – juro – assim mo confiaram,
retalhado neste papel secundário, descabido por um rectângulo aceite como
instável no contorno, por mãos em recorte. O movimento extinto pelo sinal
anterior. Desobedeço ao tom? Elevo a reflexão pelo pé-direito, espartilhado por
coisa nenhuma. Sujeito indeterminado que, assim, afasta a mão em falta pela
melodia a meio, entredente, tocada de perto pelos instrumentos dentados de
ausência. Os metais me tocam, alto o dia que me inebria de inexactidão. Dia
novo, armadilhado da velocidade das coisas por vir. O que começa nunca acaba,
ainda que o nome do fim seja interlúdio e os restantes, espaços esvaziados da
cor impossível. Som de passos – assim se soletra o refrão do engano. Desejo que
sejam imagens as colisões, assim se poupa a pena, liberta para outros assombros.
Assim se forma a recta inflexível, asséptica o suficiente, impregnada da soma
gástrica dos verbos, encurtados pelos pulmões prensados por um falo poluído de altura.
O que violenta um céu. Irrequieta transformação de modos, pelo esqueleto sensível
em ligas de aço rendilhado. A geometria de tudo impura – número natural – como tudo
o que desaparece por baixo das roupas – lavá-la na pedra. Sou idólatra de
tangentes, pontos negros à pele e matéria expulsa da esfera semiótica.
Badamerda aos significados poentes e às dores de corno. Assimilo o rápido de
tudo e de tudo me liberto, pelo instantâneo dos orifícios dilatados pela idade
do corpo. Anos à frente, a náusea se converte em vento amordaçado pelos
tabiques de construção antiga, transformando a exacta hora nocturna em incómodo
de tubagens. Membros operáticos por extenso aderem a notas soltas pelo soalho
espesso da desesperança em esquinas, mar-chão enegrecido pelas horas soçobradas,
ponteiros discordantes – daí resultam – da direcção de um ser localizado num
ponto de ordenadas e abcissas, ambas ocultas do interessado. As divisões de um
espaço, adulteradas pelos materiais inadequados, circuncisados acima do nível de
metro proposto a partir de um pesadelo sem cintura. Confortável ninho de pulgas
perenes, órfãs confusas pelo lugar alterado diversas vezes, em cima da hora do
enterro do mestre. Fecundas caricaturas de colagénio, embeiçadas pela fibra de
um braço em silêncio. A matilha ecoa, acidentada repetição, pela desordem
projectada acima das cabeças. Tantas as vezes que forem, não enxaguar. Permita-se
a pátina do desconforto ao corpo, armadura de cipreste, incólume ao esfaqueamento
da luz num final de tarde. As mãos onde quiserem. Ouça-se. Pássaros esquecidos
de si – a condição – caídos da sombra das folhas, entalhada nos braços aflitos em
abraços de parecença. Portas que se apagam, e outras que não existem no seu lugar,
arrancadas pelos eixos em fúrias de género. Os vãos rasgados nas fachadas,
quadrados onde o nada se inscreve translúcido, onde ninguém grita nítido.
Interiores aos muros de difícil digestão. Sejamos francos: a presença convulsa
da menina, em tosse comprida como a noite da qual se quer o luto, assim
revelada no piso inferior, não nos interessa se não for inoportuno. Apenas a
pele reage ao sobressalto de sirenes acordadas por essa noite de ambulâncias
vazias, feroz transtorno que nos perturba a cadência, em febre de pernas
afastadas pela humidade carnívora do nevoeiro, das extremidades engelhadas no princípio
do corpo, outro, assim se desaparece em simulacros de carícias desgovernadas,
pelos pulsos abertos na flor negra que respira um vento de Norte. Assim seja! E
é toda a unidade da língua des-significativa que, aqui, se evapora pelas juntas
da superfície onde me projecto infame. Das veias o fogo que alastra pela folha
metálica – cotejar –, sulcando frases inversas, libertando-se das palavras o
sedimento da conspiração crónica contra o próprio, lido como orgânica
perplexidade. O lugar de um corpo, ocupado por um só fio ligado ao crânio projectado
do nado-morto que verte a última lágrima da espécie. Onde mora a menina, nunca
aí vi roupa lavada pelas cordas. Pela sua casa se estende um latido de cão em
fome. Cedo à facilidade do círculo, desencontrando por despeito a medida ínfima
que me separa de um gesto perfeito. Traço-me.
sábado, 2 de agosto de 2014
INCISIVOS
Pelo
areal de Agosto estendo o meu cansaço, traduzido por braços lateralmente
arrependidos do corpo grave. Nem praia nem campo, um horizonte tranquilo de
rodapés. Acumulam-se rimas sem rosto, suadas pela boca do outro o que acompanha
alguém, assim seja a sua vontade. Estático consentimento. Palavras amarrotadas
pelo vento – afinal os dias também se lamentam. Da parte do Virgílio, alguém se
aproxima com mãos amplificadas da voz. Percebo parte de um retábulo: a Virgem «Dobra
o joelho e põe as mãos, porque é tudo excessivo e diante do excesso só a
humildade.». Por entre
estas palavras, o espaço onde se procura um interruptor para o personagem dizer que
vê melhor, mas não muito. O de mim, que por aqui continua, fechado em incisivos cansados da
falsidade do material em que se decompõem. Nuvens vermelhas obrigam um céu – a
minha boca escancarada – a desistir, pondo a nu os restos petrificados da
matéria abandonada. Raízes obscurecidas pelo lume brando do tédio, em que se
esfumam. Cavernas sem eco, fracturadas a meio da gengiva, por onde um rio de
sangue órfão das correntes vitais. A amputação assumida na ardósia riscada de
nervos, na articulação subtraída de uma operação aritmética. «Deve ser coisa
importante pois ouvi a campainha tocar várias vezes, uma a caminho da porta e
pelo menos três dentro do sonho», provoca o Chico seu sonâmbulo em uma fonética
de estorvo. Enquanto aqui, o compasso dos instrumentos de pele se acomodam à
linguagem das folhas a propósito de braços, a árvore que me domestica os tons através
dos caixilhos. Entorno-me das luzes verdes dos aparelhos humanizadores, pelo
meu espaço de estar. Vivo por circuitos, proponho-me em sopros à corda que me
anima de nós. As palavras dos outros possuem a textura rígida de um abraço distante
a corpos estranhos, à falta de melhor. Últimas palavras – agora em voz surda, Samuel
– as que me desfiguram a alma em cantos: «Crânio e olhos fixos despalpebrados.
Onde na estreita vastidão?»
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