domingo, 31 de agosto de 2014

FORA DE MÃO




Lado (geralmente o direito) em determinado sentido da mão dissoluta que a tudo se deita. De modo lento vai a luz, se despede, por detrás da mão que mede a distância do infinito a si, proximidade à força. O discurso da obstinação, enquanto crença, é um cravo desviado para a superfície pulvurenta do peito. Um lugar desenhado à mão levantada, meio de transmissão para os corpos em perspectiva alguma. Por direcção aberta se resume um corpo em orifícios, à força de instrumentos cranianos. Água a maior parte, grave de transparências, pela matéria de extensão. De modo lento vai a luz, se despede, do corpo rígido de alguém qualquer coisa que é a sombra, se levanta e se explica à força de braços a diagonal curta do espaço que se percorre. Dividida mão por abrir mão em flor, esmurrada de intenção. Aqui fico vermelho, sem uma luz que o diga, assim sombra, em um ponto alguma insensibilidade à transparência. Gestos de grafite, decompostos pela maciez de uma língua em sede, no modo forâneo como se aproxima ao mar do outro corpo. Como desdizer o rosto, derramado este pela pele que nada veste à vista desarmada. Se alarma o utensílio do corpo em verbos que se encaixam por antiguidade, enformados pela boca. Fadiga romba, o desperdício da mão interrompida no gume afiado do abismo. De modo lento vai a luz, se despede, em forma de útero a sombra se vai para os pés do mar que foge da traição das rochas por onde o grito se despenha. Peito a que se deita mão. Mão a medir o espaço que não existe em um corpo nu do pé para a mão. Prazer ressentido de inserções, as extremidades de um comportamento. A bissectriz do que vejo fora de mão assim a mão rogada por baixo. Vem – fala a voz usada em segunda mão. A manhã que virá, inundada já por cedilhas exteriores ao bicho que, assim, se prolonga carne ao nome a que pertence. A boca mesma do corpo grosso da letra, em rigorosa tonalidade de tempo perdido. Sólidos que se engolem geométricos pela sua simplicidade, da boca a paisagem rasgada por edifícios de branco aguçado no final da frase que se desconsegue isolada, no desequilíbrio do conjunto desordenado de coisas que se calam pela espessura. Atormentação imóvel de uma só folha, a parede que escolhes para o acidente de um de nós. Incisivos me mordam, falhos de forma se assim for suficientemente plástica a expressão que nego em próteses. Por entre os espaços sobra o vento, se transforma nos nomes que te chamo, entredentes, e se me solta o nó em matilha pela garganta. O caminho, usado recentemente para a extinção dos ângulos que existem para nos cegar, se excede assim para o lento modo em que a luz se despede. Altercação de contornos pela unidade de um homem que se combina com outros. Por um segundo se transtorna, é o grito do seu reflexo em fêmea forma, que da porta abre a voz e diz – Levanta-te! Não estorves o pouco vento que aqui me chega – palavra escrita, abandonada à pressa por outros. Uma indiscrição quando há tão pouco espaço, à volta. Se vive à procura do espaço que se não tem para viver, palavra, poesia garatujada numa pressa de comboio que há-de vir não tarda uma superfície exposta à humidade da noite. Alçado de espessura vertical – parede entrecortada, descontínua ilusão de coisa extensa – açoitado por vagas de pés perdidos por chão. Colisões de átomos na moda, corpos cientificamente nus da boca para dentro, pele de parede interrompida no ponto frágil do umbigo que se aconselha virado para cima, exposto à inclemência solar, enquanto se transporta para um outro parágrafo iniciado por minúsculas. O incómodo das asas em vento raso às mãos que rejeitam o movimento, qualquer que ele seja. Num piscar de olhos.

sábado, 16 de agosto de 2014

ENTREDENTE





Um corpo descolado / Da superfície onde nasce / Desaparece em segundos / No interior de um interface


Cito, devagar, um fragmento da canção que não existe, ainda, em lugar inferior às nuvens neste espaço esconso. Notas laterais, esquecidas do lugar assinalado pela vigília em tons de vermelho. Semáforo. Paro para duvidar mais um pouco. Não o conheço, assim de nome estranho em desajeito com os rostos que lembro. Nenhum tem pescoço que, aqui, encaixe. Não o conheço – juro – assim mo confiaram, retalhado neste papel secundário, descabido por um rectângulo aceite como instável no contorno, por mãos em recorte. O movimento extinto pelo sinal anterior. Desobedeço ao tom? Elevo a reflexão pelo pé-direito, espartilhado por coisa nenhuma. Sujeito indeterminado que, assim, afasta a mão em falta pela melodia a meio, entredente, tocada de perto pelos instrumentos dentados de ausência. Os metais me tocam, alto o dia que me inebria de inexactidão. Dia novo, armadilhado da velocidade das coisas por vir. O que começa nunca acaba, ainda que o nome do fim seja interlúdio e os restantes, espaços esvaziados da cor impossível. Som de passos – assim se soletra o refrão do engano. Desejo que sejam imagens as colisões, assim se poupa a pena, liberta para outros assombros. Assim se forma a recta inflexível, asséptica o suficiente, impregnada da soma gástrica dos verbos, encurtados pelos pulmões prensados por um falo poluído de altura. O que violenta um céu. Irrequieta transformação de modos, pelo esqueleto sensível em ligas de aço rendilhado. A geometria de tudo impura – número natural – como tudo o que desaparece por baixo das roupas – lavá-la na pedra. Sou idólatra de tangentes, pontos negros à pele e matéria expulsa da esfera semiótica. Badamerda aos significados poentes e às dores de corno. Assimilo o rápido de tudo e de tudo me liberto, pelo instantâneo dos orifícios dilatados pela idade do corpo. Anos à frente, a náusea se converte em vento amordaçado pelos tabiques de construção antiga, transformando a exacta hora nocturna em incómodo de tubagens. Membros operáticos por extenso aderem a notas soltas pelo soalho espesso da desesperança em esquinas, mar-chão enegrecido pelas horas soçobradas, ponteiros discordantes – daí resultam – da direcção de um ser localizado num ponto de ordenadas e abcissas, ambas ocultas do interessado. As divisões de um espaço, adulteradas pelos materiais inadequados, circuncisados acima do nível de metro proposto a partir de um pesadelo sem cintura. Confortável ninho de pulgas perenes, órfãs confusas pelo lugar alterado diversas vezes, em cima da hora do enterro do mestre. Fecundas caricaturas de colagénio, embeiçadas pela fibra de um braço em silêncio. A matilha ecoa, acidentada repetição, pela desordem projectada acima das cabeças. Tantas as vezes que forem, não enxaguar. Permita-se a pátina do desconforto ao corpo, armadura de cipreste, incólume ao esfaqueamento da luz num final de tarde. As mãos onde quiserem. Ouça-se. Pássaros esquecidos de si – a condição – caídos da sombra das folhas, entalhada nos braços aflitos em abraços de parecença. Portas que se apagam, e outras que não existem no seu lugar, arrancadas pelos eixos em fúrias de género. Os vãos rasgados nas fachadas, quadrados onde o nada se inscreve translúcido, onde ninguém grita nítido. Interiores aos muros de difícil digestão. Sejamos francos: a presença convulsa da menina, em tosse comprida como a noite da qual se quer o luto, assim revelada no piso inferior, não nos interessa se não for inoportuno. Apenas a pele reage ao sobressalto de sirenes acordadas por essa noite de ambulâncias vazias, feroz transtorno que nos perturba a cadência, em febre de pernas afastadas pela humidade carnívora do nevoeiro, das extremidades engelhadas no princípio do corpo, outro, assim se desaparece em simulacros de carícias desgovernadas, pelos pulsos abertos na flor negra que respira um vento de Norte. Assim seja! E é toda a unidade da língua des-significativa que, aqui, se evapora pelas juntas da superfície onde me projecto infame. Das veias o fogo que alastra pela folha metálica – cotejar –, sulcando frases inversas, libertando-se das palavras o sedimento da conspiração crónica contra o próprio, lido como orgânica perplexidade. O lugar de um corpo, ocupado por um só fio ligado ao crânio projectado do nado-morto que verte a última lágrima da espécie. Onde mora a menina, nunca aí vi roupa lavada pelas cordas. Pela sua casa se estende um latido de cão em fome. Cedo à facilidade do círculo, desencontrando por despeito a medida ínfima que me separa de um gesto perfeito. Traço-me.

sábado, 2 de agosto de 2014

INCISIVOS












Pelo areal de Agosto estendo o meu cansaço, traduzido por braços lateralmente arrependidos do corpo grave. Nem praia nem campo, um horizonte tranquilo de rodapés. Acumulam-se rimas sem rosto, suadas pela boca do outro o que acompanha alguém, assim seja a sua vontade. Estático consentimento. Palavras amarrotadas pelo vento – afinal os dias também se lamentam. Da parte do Virgílio, alguém se aproxima com mãos amplificadas da voz. Percebo parte de um retábulo: a Virgem «Dobra o joelho e põe as mãos, porque é tudo excessivo e diante do excesso só a humildade.». Por entre estas palavras, o espaço onde se procura um interruptor para o personagem dizer que vê melhor, mas não muito. O de mim, que por aqui continua, fechado em incisivos cansados da falsidade do material em que se decompõem. Nuvens vermelhas obrigam um céu – a minha boca escancarada – a desistir, pondo a nu os restos petrificados da matéria abandonada. Raízes obscurecidas pelo lume brando do tédio, em que se esfumam. Cavernas sem eco, fracturadas a meio da gengiva, por onde um rio de sangue órfão das correntes vitais. A amputação assumida na ardósia riscada de nervos, na articulação subtraída de uma operação aritmética. «Deve ser coisa importante pois ouvi a campainha tocar várias vezes, uma a caminho da porta e pelo menos três dentro do sonho», provoca o Chico seu sonâmbulo em uma fonética de estorvo. Enquanto aqui, o compasso dos instrumentos de pele se acomodam à linguagem das folhas a propósito de braços, a árvore que me domestica os tons através dos caixilhos. Entorno-me das luzes verdes dos aparelhos humanizadores, pelo meu espaço de estar. Vivo por circuitos, proponho-me em sopros à corda que me anima de nós. As palavras dos outros possuem a textura rígida de um abraço distante a corpos estranhos, à falta de melhor. Últimas palavras – agora em voz surda, Samuel – as que me desfiguram a alma em cantos: «Crânio e olhos fixos despalpebrados. Onde na estreita vastidão?»