domingo, 28 de setembro de 2014

O CORPO PARA ESTAR (ASSIM)









Exterior.

Morre o céu, apenas isto
De melancolia. O mar inverso
Se precipita pelos signos, toda a água
Instável, ainda que por acidente
A extremidade de um corpo mal
Concordante com o chão que pisa, sobressai
Pelos próprios pés da sombra
Em atonalidades iguais. O fumo
Das nuvens, os pássaros
Se destacam pela dimensão
Ao arrepio do que acontece, por ali
Nas suas costas. O inteligível de tudo
Extenso, até aos ossos
Dobrados pela tempestade.
Olhos besuntados, da refeição
Deste céu em manifestações violentas
De braços, um gesto seu
Se aproxima do meu pescoço em garrote.

Interior.

A alma é marga, da mesma
Argila empurrada
Para desaparecer por nós
Em dedos, os ossos acabam
Pelo infinito dos outros.

Exterior.

Morre o céu, apenas isto
Por alguém de signo igual, disperso
Pelo horizonte viciado
Em altitude, uma noite assim
Difícil. A visão
Perturbada, fendilhada
Pelo azar das arestas, circunscrito
Ao contorno das coisas em chamas. Vertido
Pelo início do corpo que é
Variado em veias e becos
Sem saída. As paredes
Em montículos revoltos, palpáveis
Até ao sangue da discórdia.

Um só sentido, um
Que seja estrangulado, assim, por membros
Desavindos. Outra vez
Os pássaros parecem estar onde estou eu,
Por repetição.

Interior.

Depois de esvaziado o ventre
Permanece como a parte baça, espessa
Mancha de sangue que me preenche
De significados. Uma forma interior transforma-se
Em um fogo violento e como,
Pelo teu tronco e outros, em que passo
A língua.

Sevícias vêm à memória, como pedras grossas afagadas e
Lembro-me tão bem das tuas mãos, de um fósforo
Resistente às lágrimas de nós. As construções
Ateadas ao esquecimento, as teias em ruptura
Pelos cantos, a sombra
Cumprimenta quem passa.

Exterior.

Se estende o lamento até à melancolia
Dos insectos. Sou
Viajante imutável, assim
Deslocado. No seu lugar
As vértebras discordam e separam-se
Um imprescindível de unhas, pela carne
No chão massacrado
Do mundo em desnível.

Vai alternando o incrédulo e gentio
De sangue igual, em trânsito
Pela lama que une em pedaços
Uma tragédia microscópica.
Em colisão as estrelas, de pechisbeque
O vidro desviado de um pulso
Fraco. Geneticamente
Me apaixono, por aproximação
À boca que me distrai de um lugar-comum
As palavras, arrastadas
Pelas suas ilhargas.

Indiferente ao olhar
De um outro, a verdade
Desaba pelas rugas, atmosférica.
Por homens a pé separados
De uma escolha errada, mal
Se dá por ela longitudinal. A vida.

Subúrbio chique – para ele
Vão crianças sozinhas, na sua
Mania plural. Um estorvo
Precoce, a circunstância determinada
Por um lado que não existe, assim
Diverge um pensamento, por ser
Má vizinhança.

Habito um país, um céu
De mármore, as paredes
De boa construção e outras
Rasuradas com mensagens
De amor escrito, assim
Maiúsculo. Um inferno
De óleo manchado, os tecidos
Em camadas de desgaste.

Morre o céu, apenas isto
Longe da ondulação do casario, uma vaga
Para ninguém. Assim
Se anulam os espaços, em derrocada
Da sua sombra própria. Uma cãibra
Pelo corpo nasce, se manifesta
Uma confiança estranha.

À luz do dia, o prazer senão a copo
É movimento retrógrado
Da maré que vaza
A olho nu. São peixes turbulentos
O que ouço eu pelos cantos? Um mar
Falso, à escala
Uma tempestade mínima pode ser
O que acontece em um
Aquário. Um lar com paredes
De outros materiais, com estes
Se combinam os relógios, até ver.
Esquecemo-nos das esquinas onde nos magoamos
Nos braços, a carne
Em desnorte. O céu inverso.
As ondas morrem, pelas mãos
Obrigadas a um espelho, onde se vêem
Nuvens convertidas. Amores-perfeitos
Os dentes perplexos até à cárie, por cores
Elegantes nas suas nódoas
À superfície. Aborreço-me
Da morte nos seus tons, entrecortado
Pela ausência, esta mesma
Face de um cubo de Rubik que é
O meu rosto. Instável
Paródia. Por ela, algo
Que eu habitava
De fresco pintado.

Interior.

Circunstância motora, a dificuldade
Pelo corpo até
À última casa, a décima precisa
Ao engano. Abandonada
Às postas a alma
Treme por dentro, movimento
Previsto e o seu inverso mais.


domingo, 14 de setembro de 2014

AS COISAS NO MEU CANTO SORRIEM, DESAFINADAS





1.

Choro sobre a pedra, à escala exacta
De uma fotografia. Sobre ela
Me debruço em enxurrada
Sobre um bebedouro
Que, aí, acaba entre cantos.
Sons em movimento, água impura
Da vida, em uma frase
Que mal flutua.

Esta é superfície pétrea, leito de cheias.
Chapa, em espessura
Roubada à memória
Milimétrica. Sobretudo
Pedra, uma memória delapidada
O suficiente no tamanho
Da mão de cada um, atirada
Para o abismo onde sirva,
Perto, um segundo
Da sua presença.
Segundo repetido pelas paredes, o tempo
Uma imagem desfocada
No que diz, em seguida
Esquecemos com o corpo
Mais pesado.

A memória é fadiga pelo corpo
Material, se verte muscular
A ditadura desmembrada
De um corpo várias resistências.
O corpo, maleável assim, projecta
A memória pelo absurdo
Final à pele, a extrema
Divisão em que nos desenhamos
Em perspectivas de fuga
Por ruas desabitadas, outras
Almas que não a nossa
Atormentada.

A memória em assalto rouba
A atenção que prestamos
Às outras espécies, o barulho – avião, comboio (corvo albino, centopeia rigorosa).
Máquinas perfeitas se recortam
Das outras imagens
À punhalada, sempre
Na mesma dimensão, se separam
Pouco do corpo de nós
Loucos.

A memória pela margem
Seca se imprime
Do caos, para o qual
Não temos mãos a medir, mãos
A alisar cantos que se calam
Em icterícia à pele por um corpo
Doente de escalas.

Choro sobre a pedra, concentro-me
Assim, unidade
De água acrescentada
Às folhas mortas pela boca
Em ralo. Impede-se assim
Um coração de escoar
Em dor, para longe
Dos olhos que apenas vêem.

Choro, camuflado de movimentos
Pela chuva de Setembro em todos
Os anos passados, agora não
Consigo precisar, enquanto me recordo
Mal de onde venho
Águas quentes me ferem
A alma em sons de vinil
Antigo – pontual tortura – picotado
Pela agulha ébria, toda
A largura de um sulco onde
Nos arrastamos.



2.

A memória é cansaço
Por extenso, o que é
Um corpo abreviado. Dor
Pelas rótulas pequenos incómodos
Pelos dias; se julga
A fadiga no seu todo
Sem acrescento, logo
O corpo se aventura e conquista
Terra estranha ao ar, em volta
A guerrilha de joelhos inflamada
De músculos, a blasfémia
Em grito arremessado
Ao que ainda mexe em um canto
À esquadria, em silêncio
De movimentos, é tudo
Quanto se pede a um Deus
Que morra um pouco
Por nós, na nossa vez.
Habitua-se um corpo, devagar assim
À morte para sempre.

Habituá-lo, ao corpo
A não ser preciso se necessário
Por momentos, a ter direito
Um lado de si esquecido
Por todos os espaços preenchido
Por braços e travessas
Medidas, nisto os olhos reparam.
Numa montanha que desaba
Em pálpebras, o peito
Assenta.



3.

Coitados de nós – assim se acredita
Dos olhos para dentro – já não
Fornicamos como queremos,
Desde sempre e desde que
Fomos separados da matéria
Viva, do que bebe
Água e só água, tudo
Com cor própria.

A paz dos outros, indiferente, coitados
Livres de ponteiros
Pela cintura, o dia
Marcado por uma hora
Incerta, aí
Mentimos com a nossa força, de cada um
Alavancada pela construção
Singular o que temos dos outros que,
Assim, mentem
Também acerca de outras coisas que não podem ser
De outra forma.

Pelo engulho da vida, mentimos
E não há uma hora
Para dizê-lo ao corpo,
Não o faças.

Atrás da orelha, uma escada
Abandonada à pressa pelos inquilinos
De passagem, a uma determinada hora
Num bairro residencial atafulhado
Pela insónia.
A ninguém interessa, atrás da orelha
Hospedeiros pobres de sangue, sempre
A orelha, que se corta com o gume afiado
Da língua todas as conversas
Em pele e osso, assim o corpo
É fácil por assim dizer
Uma vírgula erecta, o que separa
O animal da memória
Do homem, esquecemo-nos dele
A cumprir os lugares por nós,
Onde deveríamos estar
A esta hora se não
Estivéssemos nós
A fornicar, aqui, uns com os outros
Entenda-se, não por monólogos.

Nada é mais importante, nada
Nenhuma outra conversa
Nos distrai tanto, tirando talvez
Para fora o tema
Da braguilha a fome
De géneros. Putrescíveis
Sensibilidades em corpo, as mais
Saudáveis.
Segundo quem sabe
Da coisa, tudo
Desaparece para um canto
Onde sorri e assim
Nos fazemos
De difícil, tanta coisa há
A arrancar em cubos
De nós.



4.

Por contas, a matemática
Do vento ao moinho
Velho de urtigas não é
O mesmo do eco, há anos
Gritado pela boca
Da pedra no alambique
Cansado de cobre
Pelo esquecimento ainda quente
De ausência, a memória
Arrastada pelas cordas
Dos homens na facilidade
Da noite, para um
Ferro-velho de hipóteses.

A herança do pó as coisas
Deixam, quando vão
Para longe de nós.
O afogamento como sintoma
Do perdão que se pede
Sem arrependimento
De facto.

O prazer é um inferno,
Um objecto à força
De músculos e células.
Toda a camada espessa
Se liberta, vem à tona
Do mar no corpo.

Moroso o tempo
Sobra, a angústia
Por soluços de espaços
Em branco, o rancor
Pelo corpo se inquieta
De emergência.



5.

Arquitectura decadente, o corpo
Mal medido pelos vãos rasgados
Na fachada onde chamamos
À atenção por gestos, linguagem
Gestual, um choro
Pornograficamente mecânico
No ponto em que se fixa, a mania
Na janela em frente, a vizinha
Finge a queda de uma mola
Da roupa, para longe
Do peitoril, atirada
Com intenção para uma
Parede dos fundos. Se torna
Diferente no regresso
À esquadria, nua
Da cintura para baixo, se estende
O sorriso pela corda se volta
Para o canto escuro, onde
A mola se encontra ainda.
O segundo de um cu açoitado
De perfeição, pela mão
Diz adeus é esquerdina
A Felicidade dos Santos
Em nome da gula, masturbo-me.


6.

Escrevo, à vista
Um homem mal tratado
De alma, veste-se
De uma cor neutra
Que lhe anula o corpo
Abaixo dos olhos.

Os seus olhos são fossas, transbordam
De uma lâmina líquida, toda ela
Da matéria em cal
Degenerada, viva
Decomposição do que quer
Que seja a sua refeição
Mal digerida, várias vezes
As mãos no rosto tremem
Pela boca as frases
Repetidas baixinho, quase
Só para ele, tem vergonha
Do que pensa, se parece pois
Confirma sempre com os olhos, como
Eu, à sua volta
Cada frase torta, que abandona
À pressa em um
Caderno antigo de linhas.
Segura-se ao fim
Do banco onde se senta, como
Se fosse desfalecer, por causa
Do último verbo anterior.

Inspirado por um outro, mato
O texto – continuo a escrever.
Seus olhos, se parecem com ausência
Da vida, fossas
De morte profunda.