sábado, 16 de agosto de 2014

ENTREDENTE





Um corpo descolado / Da superfície onde nasce / Desaparece em segundos / No interior de um interface


Cito, devagar, um fragmento da canção que não existe, ainda, em lugar inferior às nuvens neste espaço esconso. Notas laterais, esquecidas do lugar assinalado pela vigília em tons de vermelho. Semáforo. Paro para duvidar mais um pouco. Não o conheço, assim de nome estranho em desajeito com os rostos que lembro. Nenhum tem pescoço que, aqui, encaixe. Não o conheço – juro – assim mo confiaram, retalhado neste papel secundário, descabido por um rectângulo aceite como instável no contorno, por mãos em recorte. O movimento extinto pelo sinal anterior. Desobedeço ao tom? Elevo a reflexão pelo pé-direito, espartilhado por coisa nenhuma. Sujeito indeterminado que, assim, afasta a mão em falta pela melodia a meio, entredente, tocada de perto pelos instrumentos dentados de ausência. Os metais me tocam, alto o dia que me inebria de inexactidão. Dia novo, armadilhado da velocidade das coisas por vir. O que começa nunca acaba, ainda que o nome do fim seja interlúdio e os restantes, espaços esvaziados da cor impossível. Som de passos – assim se soletra o refrão do engano. Desejo que sejam imagens as colisões, assim se poupa a pena, liberta para outros assombros. Assim se forma a recta inflexível, asséptica o suficiente, impregnada da soma gástrica dos verbos, encurtados pelos pulmões prensados por um falo poluído de altura. O que violenta um céu. Irrequieta transformação de modos, pelo esqueleto sensível em ligas de aço rendilhado. A geometria de tudo impura – número natural – como tudo o que desaparece por baixo das roupas – lavá-la na pedra. Sou idólatra de tangentes, pontos negros à pele e matéria expulsa da esfera semiótica. Badamerda aos significados poentes e às dores de corno. Assimilo o rápido de tudo e de tudo me liberto, pelo instantâneo dos orifícios dilatados pela idade do corpo. Anos à frente, a náusea se converte em vento amordaçado pelos tabiques de construção antiga, transformando a exacta hora nocturna em incómodo de tubagens. Membros operáticos por extenso aderem a notas soltas pelo soalho espesso da desesperança em esquinas, mar-chão enegrecido pelas horas soçobradas, ponteiros discordantes – daí resultam – da direcção de um ser localizado num ponto de ordenadas e abcissas, ambas ocultas do interessado. As divisões de um espaço, adulteradas pelos materiais inadequados, circuncisados acima do nível de metro proposto a partir de um pesadelo sem cintura. Confortável ninho de pulgas perenes, órfãs confusas pelo lugar alterado diversas vezes, em cima da hora do enterro do mestre. Fecundas caricaturas de colagénio, embeiçadas pela fibra de um braço em silêncio. A matilha ecoa, acidentada repetição, pela desordem projectada acima das cabeças. Tantas as vezes que forem, não enxaguar. Permita-se a pátina do desconforto ao corpo, armadura de cipreste, incólume ao esfaqueamento da luz num final de tarde. As mãos onde quiserem. Ouça-se. Pássaros esquecidos de si – a condição – caídos da sombra das folhas, entalhada nos braços aflitos em abraços de parecença. Portas que se apagam, e outras que não existem no seu lugar, arrancadas pelos eixos em fúrias de género. Os vãos rasgados nas fachadas, quadrados onde o nada se inscreve translúcido, onde ninguém grita nítido. Interiores aos muros de difícil digestão. Sejamos francos: a presença convulsa da menina, em tosse comprida como a noite da qual se quer o luto, assim revelada no piso inferior, não nos interessa se não for inoportuno. Apenas a pele reage ao sobressalto de sirenes acordadas por essa noite de ambulâncias vazias, feroz transtorno que nos perturba a cadência, em febre de pernas afastadas pela humidade carnívora do nevoeiro, das extremidades engelhadas no princípio do corpo, outro, assim se desaparece em simulacros de carícias desgovernadas, pelos pulsos abertos na flor negra que respira um vento de Norte. Assim seja! E é toda a unidade da língua des-significativa que, aqui, se evapora pelas juntas da superfície onde me projecto infame. Das veias o fogo que alastra pela folha metálica – cotejar –, sulcando frases inversas, libertando-se das palavras o sedimento da conspiração crónica contra o próprio, lido como orgânica perplexidade. O lugar de um corpo, ocupado por um só fio ligado ao crânio projectado do nado-morto que verte a última lágrima da espécie. Onde mora a menina, nunca aí vi roupa lavada pelas cordas. Pela sua casa se estende um latido de cão em fome. Cedo à facilidade do círculo, desencontrando por despeito a medida ínfima que me separa de um gesto perfeito. Traço-me.

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