O
quarto incompleto das horas. Panos que o encerram, negros do fumo esquecido dos
homens anteriores enquanto eu, espessura plana que se atravessa no sentido da
noite para lá da silhueta, corpo-sombra e sombra da sombra de um corpo. Cubo aberto,
planificação infinita do mundo e seu avesso, nas dimensões inexactas do sonho
vivido. O quarto inalterado na combustão espontânea da matéria esquecida pelas
arestas (vivas e mortas) à vez côncavas e convexas, os odores extremados da
rosa às fezes ainda quentes. Meu rosto desviado, a película dos olhos
sobreposta tempestade ao eixo do crânio. Cânticos da negação perturbam as águas
onde peixes mergulham nesse meio físico da carne húmida, nascente de tinturas
vermelhas, onde os tecidos afastados, atrasados, na dupla-face incoincidente.
Corpo-rubro, corpo-decadente, flor que nasce e morre os dias todos. O quarto
fechado. Ao outro e para os outros a lua decalcada do que virá, falsa a luz que
dela não vem. Pura em desassombro a colisão frontal que se não evita a tempo,
de um só contorno o cadáver dentro do cadáver ambos pássaros de um lado. A praia
do chão desfeito, dividida em poeira e coisa maior, inerte, pequena pedra ainda
pedra assim regressa em vento à sua rocha. Céu rasurado, negado, pelas
diagonais do sémen intemporal que atravessa suas margens, inutilizado pelas
lágrimas dos arrependidos. O desejo irreflectido na folha fixa da janela; a
outra folha, que a completa, escancarada, paralela ao corpo em ressalto imerso
na sombra. Um dos braços gravidade conformada ao corpo; o outro, braço
atmosférico em movimentos que ditam, por extenso, uma ânsia violenta em ser
paisagem à pele, outra pele, vidro transformado na esquina do fogo interior. Tábuas
do mesmo chão (deserta a praia), unidas e separadas pelo traço vincado ou a
aparente permissão do tracejado, pisadas por membros em distorções geométricas.
Nuvens que são fantasmas cozidos pelo vento nos seus panos de algodão rugoso, conchas
no lugar do coração – quando pára uma nuvem na terceira posição da palavra na
frase do horizonte? Quando apunhalada por uma dessas tábuas, arrancada ao chão
por inteiro. Em marchas inversas outra vez os braços, que se elevam na ponte do
corpo, um só e mesmo mulher que abraça a argila, homem que abraça outra mulher.
O deserto se encurta numa cor, se endireita pincelada firme da esquerda para a
direita até ao fim da noite em outra cor. Mutações de género, superfície e
forma – esferas da memória em degelo, mulher e homem aproximados a barcos. Repetidos,
aquele e aquela, prolongam o mar por acontecer, adornados com contas de vidraço
nos pescoços, se firmam laterais à última sombra do dia e assim permanecem
parte solta, nada urgente, do esboço de um beijo devagar. À mão, para lá das
rochas, se esquecem em um ponto final.
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