sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

REPOUSAM





O gesto se alastra pelo motivo da superfície, chão e parede num abraço se confundem todos por dentro. Sou mão que te instiga em seres tão sombra quanto eu. A emoção que não existe nas cores para lá de nós, enquanto se alongam em lascas pelo céu de sempre. O lençol que era teu tecto, atirado pela janela fria da manhã, vincado nas inflexões da rocha onde acaba a memória de tudo. De perfil meu rosto e o teu, mais acostumado a riscos de olhos e lábios de ângulo diferente, se intersectam (se entendem) no olhar sobre o mesmo nada infinito. Escondes as mãos para a fotografia, vergas o sorriso pelo quebradiço dos meus braços em ramos, árvore que morre nas tuas costas áridas. Sou animal bordado nos teus ombros, na mesma cor que eles são, carne em movimento de ossos diferentes. Somos estátuas afiadas na folha da terra. Somos nós no mesmo quarto, a luz até meio da divisão. Parede dos fundos: encadeados pela luz sobrante os bustos dos teus corvos, datados e esquecidos por anos ímpares. De outra parede sorris, sorris tanto e de que maneira que até as mãos mostras e dispões na tua frente, essa parte para sempre. E continuas, por aqui exuberante, a seres parte e testemunha da mutilação que descrevo à mão, pelo aço ferrugento da cavilha que me conforma à nossa tábua de refeições, à mesma distância traçada entre as suas margens desiguais. Páginas dispersas. Volto à imagem, a mesma imagem, repetida pelos braços. Multiplicada pinto a cidade de onde fugimos há não sei quanto tempo. Corrijo. Ali és motivo não inscrito nas folhas onde isto tudo se resume, o tempo de um espaço onde existimos, posições diferentes, tu sentada, paciente ali estás e és, eu não sei, tronco tardoz sorriso e mãos para o outro lado. Falarás depois, que arrumas a terra onde nos deitaremos à semente da noite. Nosso velho diabo ambíguo, partilhado, vem do começo pela berma. Nada dizemos uns aos outros, que nada mais haverá para dizer, assim caminha pobre diabo, tão triste como nós, vestido da cabeça aos pés sombra quase nenhuma. A maré está vazia, escancarada pela janela que te esqueceste de fechar se vê. A mesa posta para três, copos triangulados pelo mesmo líquido, colheres desirmanadas do seu conjunto repousam no seu fundo cristalino, soterradas pelo veneno dos venenos pó de tudo. Da parede do quarto que, aqui, se não vê descrevo assim triplas fixações, onde aguardam as nossas vestes a necessidade nua dos corpos, rasgadas no lugar do coração se existe, para mostrar o que fica do nosso movimento interrompido entre pontos de nós. Vestes emolduradas por caixas de uma madeira qualquer, sossegam na vertical os nomes de cada um, trocados por fim. Tambores brilham, me ergo. Me esqueço da mão, tropeço na dança, me prego de novo agora à parede. Tens, assim, tempo para dizer a pergunta que não fica à esquadria – “Vivemos na mesma casa?"

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