domingo, 1 de outubro de 2017

SALMOURA






Vento e margem. Insisto nisto o vento, vento vaivém forte como fala, fala só. De perfil, minha forma de dizer sobre isto nada disso. Deixa. Deixa-os falar, assim vento e água, tira-linhas, matéria solta a nada se agarrando, fora de mão. Alto lá, logo ali, por cima do ombro a chapa da lua se pregando ao céu só metade, da luz que pode dar agora não, deu mal, se dá por isso e só isto de vento e vento, se atrasando um nada neste rosto que se atravessa nele, pedindo a ele a esmola da direcção por onde me perder indo atrás. Não é isto exercício de estilo, é antes de mais tentativa falha de equilíbrio; em cima do joelho o caderno preto querendo levantar, montando as folhas asas para ir tudo ao ar. A mão que nada escreve doendo, segurando o que não tem peso para aqui ficar. Os cães desta hora soltos, na berma terminada a despachar. Pequenas ondas, pequenos nadas, saem repetidos na geometria branca da espuma em grinalda, vestindo o calhau de união ao lodo. Sejam um só. A tarde se acabando, bruta e crespa, em um só pássaro passando à frente do olhar. A estação do meio se aproximando à baba do sentir-me abandonar. Línguas de terra, apontando um caminho impossível por dentro do rio, entre cá e lá tão só. O tom da memória rubescente que fica deste sol que já não é de hoje, estampado nos batelões abandonados à má sorte, fora da corrente que nada prende e tudo deita a perder de vista, à atenção de poucos, eu e alguns. Quadro preso por teias atirantadas às veias entupidas por tanto vazio. Minúsculos bolbos de luz artificial, criando o horizonte da cidade aos olhos de quem se fica pelo outro lado. Batendo por minuto o que tem de bater, enganando pouco mais que a morte, o coração faz de um ciclo inteiro a muitos, nada entretanto acontecendo, como se tudo na mesma ficasse e mais nada houvesse do que dizer. A escolha sempre minha e só, entre isto e um copo cheio, adulterando ao espelho a meada do corpo. O holograma de todos os imperfeitos amores tidos numa vida até aqui, se equilibrando no cais por entre sorrisos amarelos cuspidos pelos candeeiros já acesos ao princípio desta noite que nada resolve para já. A leitura tremida do que sou em tentar ser, fui ali e já venho assim, foi vindo a jogo logo agora, sobre o pano rasgado do presente, e pouco mais. A demasia incerta do que fica. Algas descobertas à superfície, mordidas pela mesma luz, se fremem, mostrando como é isso a tal mudança de direcção num repente, tão bêbadas que estão mal se tendo de pé sobre a pedra. Sombra de nível, ainda estudando o que fazer à espessura do em volta, massa para engrossar o gosto ao dedo de quem mal se explica. Sei então quando devo parar, mal sobre a palavra dada ao branco da folha se sobrepuser o desenho negro da mão segurando o aparo, tremendo de velocidade imprecisa. É hora de levantar de aqui. Antes de o fazer, acender um cigarro a mais, assentar tinta ao lado do arraial do corpo; pelo contorno, desenhar de lados desiguais, para ti só, meu somente amor, o espaço onde se verá implantada a salmoura de minha boca conservando ternos teus dedos, os que couberem aí, que aponto e aperto de encontro à minha garganta. Levanto e vou por pouco, me escondo na lateral deste acrílico translúcido, escovado por abismos planos, circulares. Colo à face disto a isto um papel perfurado de mau gosto, impresso em letra de gente, dizendo por estas palavras ESTIMADOS CLIENTES, INFORMAMOS QUE ESTAMOS ENCERRADOS. Obrigado, eu. Na origem, o que primeiro se põe à frente de nós é ponto final. Largamos depois uma frase solta, por entre muros mais ou menos altos, e cá vai disto se arrancamos raiz a este número fazendo de conta. Tens uma pedra pesada à mão junto aos pés, e logo o primeiro uso que dás a este costume, é veres-te por um fio a ela agarrado, dissolvido num líquido sem princípio. Por fim, venha quem vier, e como demoram! Nada se pode fazer de diferente em frente a ti. És osso e espinha àquela parte, que se deposita num passeio de porcelana barata. Parte a pouca louça que tens; come com as mãos, de pé, o que houver para a refeição. Não sejas esquisito. Corta um tomate ao meio, atira para aí umas quantas pedras de sal, leva à boca um vermelho de que tanto gostas de repetir, escorrendo de memória, ou cingido ao croché do teu corpo escuro, tão desejado se não houver outro mesmo. Enquanto durou isto, é já noite pois, passando seu atilho por ilhó ao pano descido de um tempo de acabar. Se amanhã houver, logo se verá e cuidará do que ficou ali para trás. Traz agulha, dar-te-ei linha e giz para a larga medida do fato que me queres vestir. Nu assim, sou outro tronco desatinando terra e água, árvore oca, refúgio para pássaros e segredos ditos de boca calados à face do túmulo de nossos semblantes. Digo-te já o que houver em dizer, e não te chateio mais. Não precisais jurar sobre seja o que for. O barco atracou, batem cancelas à passagem de quem vem, são ainda assim muitos para esta hora, e tu não estás nem aí. Hás-de cá vir.

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