Linhas
de alta tensão se vão ligar ao horizonte. O sol se apagou já, se riscou dele o
vestígio de lá, longamente, até à diluição. Fora de tom, o comboio suburbano
sai, a horas, nos levando a olhar, olhos nos olhos seus, vermelhos de artifício.
Para trás mija a burra, nos afastando, com sua diversão, do nosso caminho. Adolescentes
perfumosas, lábios incandescentes, de uma só pelica de tintura, acrescentando
pouca espessura ao corpo dito para fora, começando por ali a sair, alinham-se,
ao meu lado invisível, tirando à vez o retrato de si. Atrás de si o fundo
começa lá, que, se começou, não se deu bem por ele a explicar, à primeira
frase. Daqui uns dias, mais mortos que vivos, ainda a semana irá a meio,
sobrar-nos-á um único sorriso a meio gás, a mim e a ti, isentos de sentir o que
seja sobre tragédias.
Governam-se
bem, esses que nos governam; faz de conta se abre conta, fincam a baba do
discurso vazio no baço de quem os suporta ainda assim. Falam sobre nada que não
é connosco. Dizem pouca coisa, pouca terra. Abrem fogo sobre a inteligência de
quem anda cá anda, assim-assim. Sim, mando dizer que não contem comigo para a
discussão, hoje não vou jantar a casa. Deixem o que sobrar no forno, ou comam
tudo. Se lhes correr mal a confecção, cheirar-me-á a esturro quando melhor me
convier. Tudo se deixa arder, que nada é com eles, apesar de afirmarem
convictamente que é tudo seu. Morreram deuses e reis quando calhou, não morrem
mais se cada vez menos são? A acção do acaso, conjugada na primeira casa da
primeira pessoa, irá romper com o costume de comer calado. Porquê? Porventura
acreditas que a palavra não mata? Mata sim, se riscada na jugular posta à vista
pela mão que a aponta, palavra ponta e mola a atravessar o chão que desaparece
sem dares por isso. Senhores ministros e respectivos enteados, pois é verdade
que vale tudo e o azar acontece. Acidentes? Não há, para isto, unidade de
medida. Esta terra vento e vínculo, pássaros, e as árvores do costume, de onde
venho, largando o passado passando à memória, é tudo quanto tenho de haver. A
vós, nunca vos respeitei. Para mim, nada mandem vir. De vós, nada espero. De
vós, quero a distância segura da nuvem prima afastada o suficiente para que não
enlouqueça por um instante e tenha a sorte de um de vós passar ao lado. E
depois, logo se verá o que se não sabe. Alguém se desgraçará, dando o exemplo a
quem precisa e tem vergonha. Alguma força será ainda a tua, ó tirano sem
parentesco algum à minha febre, que desviar me fazes da frase que ia lançada.
Ficamos por aqui, morreste para mim. E hás-de morrer para os outros, cedo, não
venha ela tarde. Ficas de castigo, enquanto acontece o que está para vir. Ficas
aqui, e só de aqui sais quando eu to disser. De política, é tudo.
Dizia
eu das moças, que sorriam. O caldo entornou, e a terra ardeu. É tudo. Cada vez
tenho menos espaço onde ir gritar que vos desprezo, ou só gritar. Pensava ir.
Agora mesmo, parecia isso ser o que havia para andar. Quase nada sinto o tempo
todo, depois choro sobre desconhecidos, sobre quem me não é nada. Só isso.
Chega bem. Sim, as moças onde as largaste. Riem, tem graça. Rimo-nos todos, se
nos contam bem a piada. O resto não conta quase nada, nem à força de
matemática. Eu sou um só, não me divido por dá cá essa palha. Riem, de nervoso
miudinho. Uma à outra entre si dizendo nunca, por nunca, saio bem ao olhar o
passarinho. Chiam travões, chega o comboio. À estação ali em baixo, em se
apeando larga medida de gente, se põem a caminho inverso do outro de ainda há
pouco. Orquestráveis pevides secas, chocalham de encontro às paredes,
enclausuradas em suas cabaças ocas. Ou isso, ou um instrumento a sério,
alterado na mão do capoeirista; se soltando a corda ao berimbau, ameaçando o
eclodir da dança no seio do grupo. Ainda não é o tempo, parece. Têm-no tão
controlado, pernas para um lado, braços ao outro e a cabeça na lua. Não têm é
ninguém, que pare um pouco para os ver. Não liguem, dancem pois. Falem-nos de
iemanjás de águas turvas, ou das bestas de vistas claras. Ou calem-se para
sempre, lutando entre si. Nada há, já, a perder. Vozes maquinais, mulher e
homem. Corpos grávidos, de vários meses à míngua da vida, grávidos de fadiga.
Podias ser tu, ou eu ainda. Não somos. Nada. Assim. Entalhes de morte pela
pedra, alegorias de fazer a vontadinha aos outros. Eu não, e perco sempre.
Fodam-se. Dure o que durar, foi demais. Não há fome que dure por muitos dias,
nem vontade em fazer por isso. Comes e calas, às escuras. Não foi para essa
noite que tudo ficou mais claro. É sempre sobre nós, que a bainha das dúvidas
se descose. Diz do roto o celerado nu; não tem roupas que lhe sirvam, mas há-de
sempre andar por aí. Se houver ainda mundo, e este olhar que o ponha no lugar. A
fêmea marca seu compasso distraído, batendo a tempo agulha que salta em passos
altos; vai calçada de um brilhante metalizado. O motorista do autocarro com
destino a ir-se vendo, devagar, até chegar à estação fluvial, sobressai do
fundo negro a que está pregado, vindo à frente da luz de presença. Aguarda o
último passageiro que entre, falsamente paciente, batendo o nó dos dedos no
tabliê do veículo. É outro comboio que chega? Nunca chega. Pára. Se
descontinua. Sim, este, e mais gente, o deixaram para trás se sabe já. Vão de
maioria, quase noite a fazer-se toda ao piso da tarde que foi, em braço
flectido qual pistão mecanizado, acabando à extrema num pirilampo azul.
Espelho, espelho deles, qual ali é o mais danado de belo alienado? Eu não
conto. Vem você, e explica por suas palavras. Não chego bem a tempo de assistir
a um grupo em branco, ensaiando o corpo acompanhado a palmas, cordas, cantares
e vento preso, liderados na figura de um profeta micro perfurado pela impureza
da incógnita. Arenito. Pau-brasil. Estórias, não de aqui, se intrometendo à
confissão que, aqui, se lavra. Tudo é outra coisa, não acontecendo agora. Dás
por isso tarde, e não vais assim tão atrasado. Dás as costas. Vaivém.
Pau-preto, corrente de ferro, pele curtida, fio de telefone, braçadeira de
plástico, corda de nylon, isto tudo à escolha nesta hora do avesso que é a minha,
sim, e só, sim senhor, meu dono e perfeito ninguém, cosendo a bainha ao
silêncio, ao quero eu, oxalá, que tudo vá para o inferno. Palavras parecidas
com palavras de outros. Tudo nosso venha a mim. O que é só meu, construído de
pedra solta, jogada à forma, emassado de fel compósito. Diáfano procedimento, o
de encafuar dedo onde só tem olho. Metamorfoseia-se-me o sotaque de vários
portugueses, nunca suaves, dos lugares onde estive, dos lugares onde quase
cheguei. Não perdes nada com isso. Chega outro comboio, sim, e se ainda aqui
estás, não te admires. Gente sai daí, vão direitos a seguir uns aos outros, daí
vieste e ficaste de lado, certa fiada trinta por uma linha de mosaico, pondo um
pé primeiro no que sobe de escada automática. Chora criança, vem autocarro, vai
a passar outra composição que não pára por aqui. Seu destino de alguns é
desconhecido, e outras coisas não.
A
dama pedia, ainda há pouco, e a última palavra foi dela, para que riscasse eu a
lista das compras. Funciono assim melhor às vezes, pois vou direito ao que
devo. Anoto, sublinho, repito o que está na folha de serviço do dia anterior,
neste mesmo dia que quase acaba. Levantar a obra, acompanhar um ou outro
trabalho, medir o espaço em unidade, cortar a água à entrada da habitação,
procurar a imperfeição no que parece bem construído. A lista não está completa,
não; pois, se para ela nada se deu ainda. Me distraio muito por menos de nada.
Estanco a correria do pensar, a estes pesos-pluma habitantes de um sonho de
exterior acontecendo, indo ao ar, da rua, e me concentro na tarefa do pôr e
dispor, que bem irá ficar, esta parte inteira de prosa concreta, precisa,
material, com o texto a soltar um rasto de solidão só por existir. Ela vai
achar sua piada, e por ela não falo. Vai sim, oh se vai. A saber, para que não
nos esqueçamos logo mais. Quando estacionarmos no parque subterrâneo,
sorriremos um ao outro, cúmplices, por termos chegado ainda a respirar ao fim
de mais um dia, descansados pela criança em comum deixada em lugar seguro.
Nossas mãos em nó de se soltar quando for preciso, e nós em atravessar a porta
automática dando para o interior regulado de temperaturas do centro comercial. Um
de nós perguntando ao outro se tem moeda que dispense, tenho sim como resposta,
dar em mão, e levá-la à ranhura aberta na estrutura do carrinho de compras. Sempre
vamos a falar rápido, a nos despachar a ser outra coisa. Já disse, e repito: a
maior parte das vezes, até nisto encontro alguma piada. Vamos para aqui assim,
nesta parvoíce, namorar para os corredores do supermercado. E não me ensaio
nada de, num repente, levar mão aos teus seios fartos, no meio dos olhares dos
outros sem querer, e dizer em voz alta aos teus ouvidos que te quero. Foder. Tu
sabes, amor, que é fome que nunca acaba. Que coisa bonita para se dizer, dizes.
Desato a gargalhada, quando me apontas como o último romântico. Me perguntas,
paciente, pela lista. Não a risquei ainda, ainda não foi preciso. Só lá vamos
onde aqui te digo, mais logo. Confirmo o relógio, ainda há uma hora para aquilo
que tiver ser, e isto assim se dá não muito à pele. Quando for essa hora, digo.
A ver, se me não esqueço de nada. Aponta aí. Não sigas nenhuma lógica especial,
mas sim a necessidade a cumprir e rematar. Por outras palavras, embalagem de detergente
para a roupa, confere uma unidade, palete de leite, confere uma unidade, pacote
de manteiga, confere uma unidade, caixa de chá preto, confere uma unidade, caixa
de chá verde, confere uma unidade, palete de iogurtes naturais, confere uma
unidade, garrafa de azeite, confere uma unidade, conjunto de latas de atum, confere
uma unidade, saco de arroz, confere uma unidade, saco de massas, confere uma
unidade, caderno preto, confere uma unidade, caneta azul, confere uma unidade,
saco de fruta, confere uma unidade, saco de café, confere uma unidade, conjunto
de rolos de papel higiénico, confere uma unidade. Carne e peixe nos dão os
pais, que são uns anjos respigadores. E ganhamos os dois, sabemos, o que nunca
chega. Se aqui tudo não estiver, não te fatigues e transtornes, passa pelos
corredores que já conheces, olha de esguelha só o que preciso é. Roupa interior,
não. Lâmpadas, não. Interruptores, substituir só em caso de, não é para menos, mau
contacto. Se comutador é, a duas lâmpadas, uma que seja que fique acesa, já não
é mau. Está tudo ligado na cabeça, por qualquer estranha ordem. Sendo preciso,
sacas para fora as teclas brancas, descolas o espelho, desaparafusas o
mecanismo, libertas os fios – o castanho é força e os dois pretos, neutros. Fazes
igual ao que está. Replicas. Para a criança, que nada falte ou lhe falte pouco
para que seja feliz. Ainda há dias lhe comprámos calçado, amanhã será roupa.
Quase tudo lhe deixou de servir, durante a última estação quente. Tão grande
pulo deu. Sim, acabo, que estás por certo já à minha espera. Não é assim tão
mau, que perto estou, aqui ao lado. O que se ganha com isto se perde em
pontualidade. Também te amo, se por acaso der jeito. Até já, meu amor
imperfeito. Depois te conto como foi, verás por ti, por detrás ao que foi dito
nestas frases. À mostra quase tudo vai, que não ando cá para enganar ninguém
senão a mim mesmo. Era o que faltava, e falta, sim, ainda, ir comprar cigarros,
que se me acabaram. Parece. Clássico desvio. Chego aí já, num instante. Cheguei.
Vês? Agora, antes do combinado. Que sorte. Afinal há tempo, metade ainda de uma
hora. Não sei o que me deu, de há um tempo a esta parte. Chego sempre cedo a
tudo, eu, que acordava só, quando já tinha de estar em lugar algum. Corria,
corria e, parece, nunca lá chegava. Acostumado de atrasado, aparentado de
ausente crónico. É certo que, depois, em jeito, torneava a culpa com a razão do
paliativo. Sólido. Coitado de mim, uns cabrões sempre os outros. Deu jeito, não
dá mais. Corro ainda agora, não me canso menos, mais ainda, mas prefiro ser eu
quem espera. Não quero ficar a dever nada aos outros, muito menos tempo. Já cá
estou, amor, e de propósito, não to digo. E sabias já, de outra frase, que
falta me faziam os cigarros. O estacionamento subterrâneo, nesta hora morna,
tem a calma necessária à montagem dos absurdos, uns pelos outros se dão melhor
sem plano, com uma ou outra vítima à mistura pela pena. Alguém. Fazendo viagens
a pé até junto do veículo, um hábito fechado a sete chaves, certo de si, abrindo
com músicas diferentes, diferentes portas. Alarmes desactivados, ignições
experimentadas. No seu posto. Mais do mesmo, em suaves prestações, não te
queixes depois. Conta com alguma coisa, e a mais não és obrigado. Comigo nunca
contes, pois posso estar ou não para aí virado. Dadas as mãos, lançados os
dados, fomos por aí ver o preço às coisas. Do que precisamos afinal, senão de
mais tempo? Mais tempo, para um de nós se encontrar a meio da ponte lançada de
boca pelo outro. À mistura com cartão vincado, aromas artificiais, e o vidro
das coisas que afinal são outras, nos mostrando deformados à superfície do
assim existir. Regámos já um momento de azeites virgens, vens de volta. Dá-me
um segundo, tu, que ainda há pouco te não cabia uma azeitona no buraco do cu. Te
gostando, te cravei um dente e, olha aí, te chamei um figo. A dois passos, o
desejo é o vizinho nunca se vendo chegar, mas se fazendo notar pondo a casa a
trabalhar. Escolhes a lixívia, como quem escolhe jóia ou fragrância, mirando, de
alto a baixo, seu rótulo, lhe abrindo a tampa, aparelhando o olfacto ao seu
gargalo. Escolhes a lixívia cheirando a sabão natural. E
passas mal se, a casa chegas e, disto não há. Te sai torta a linha do dia, se
por um acaso não tens uma porção líquida desse apagador de misérias, para o
atirares ao esmalte da banheira, à louça sanitária, bidé sanita e lavatório, à
cerâmica que pisamos.
Outro
dia ou pouco mais tarde vens, pequena, a medo, pedir que te rode os brincos nas
orelhas furadas de fresco. Condutor guiado pelo teu sorriso, acedo à ordem de
avançar, de te apertar nas costas o vestido de brincar às galas. E vais, brincando,
solta de mais crescer, às casinhas de estragar. Baixo a guarda aos olhos, te
chegas à frente, com outra roupagem que te coube em sorte escolhida a dedo. Trocaste
de personagem com outra menina da mesma idade, e nem com uma sequer fala
baptizaste a anterior. Não há um nome de que te lembres de entre todos os prováveis,
mas lhes chamas todos os nomes que eu sei. Dizes, que falta te faz um
acessório, vais, vens, com uma carteira quase pele, negra, a tiracolo,
abarrotando até ao fecho de notas de um banco a fingir. Na sala ao lado cantam,
e contam metades de estórias que, comigo a somar, não dão resultado. Peças de
madeira, com desenhos berrantes de bonecos diferentes; encaixando-as, sai um
número. És a primeira a dizê-lo. Fizeste já, o um e o dois, um pássaro fora de
mão saído ao céu, um par de botas e um gato brincando ao rato. À terceira,
decididamente de vez e alçado, uma casa já fumega pela chaminé atada de
presente, é hoje. Cedo te fartas, meu anjo, da distracção, e sais a correr
dizendo para eu ficar. Até já, pareces dizer, enquanto te afastas, a sombra mal
te acompanhando. Voltas em nada, feliz, pois escolheste para ti o jogo do lobo.
Plantas cogumelos, em pequenos montículos ao redor de árvores sem copa. Colhes flores,
para as plantares do outro lado da floresta. Fazes a cama com tempo, ao bicho
preso à berma da tua mão solta. Pões no ar as borboletas; trincas a língua,
tensa, ao manteres o gesto de as animar. Com o que tens à mão, brincas em
silêncio. Está calmo ainda aqui, antevendo o distúrbio que a qualquer altura
brotará de ti, minha cópia de mim, de outro e este tempo, meu coração a mim
atado. Escolhemos cores e esquemas de várias demãos. Ofereço-te água, recusas. Insisto
nisso, bem. Mergulhas uma vez mais, na brincadeira. A sério, vestes o lobo de
alfaiate; estranhas não haver mais com que o vestir. Aplaudida criação.
Apanhados
à superfície, impressos na folhagem, raspados ao de leve por um halo de aparo. Se
encontraram agora. Se atiraram ao pano de fundo, eliminada a imperfeição de não
haver porta que desse para aqui. Primeiro. Nome de cidade, dia da semana,
número ao dia, deste mês neste ano. Alguns outros. Uma e outra ainda, além
daqueles, sentados lado a lado. Uma falando à outra, abanando a cabeça,
parecendo fingir acompanhar-lhe as palavras. Naquela. Há coisas piores, e dias
diferentes. Acabou-se a brincadeira. Fica para aí, animal com raiva, afastando
para outro lado os maus desta estória. Despir a velocidade, apontar ao furo do
olhar a chuva da noite. Diante do amanhã, tua boca julga que está. Eu e tu em
nós. Levem-nos daqui. Dias contados, unhas compridas. As sombras, à
transparência, coagulam o espaço de se levantar. Pões a arder outra casa, no
mesmo cenário. Sou a tua puta, não sou? Me dizes assim sempre, já em brasa. E ainda
não sei a quem hei-de de falar sobre isto. É sobre essa noite passada por nós,
sabes? Encafuam arquitectura em espaços arregaçados ao não haver tempo. Ferida a
beleza, me ponho a andar. Um copo de água, sobre a vidraça da boca. O espelho
quebra, de tanto astro que lhe cai em cima. Depois se foi, da hora para um bom
quarto. Consome-se o que foi carne, espessura de contacto e correcção de
dioptrias. Espontânea combustão da memória, no trocadilho que se esfuma de
imagéticas. E como se arde, à vista de todos. Parte de mim é cinza, à outra
parte mando vir mais um copo de água. Estanco um pigmento de cor, à ordem e
desmando deste olhar de todo espectro. Sou a própria Mata dos Medos, e menos
não posso com a própria sombra que me faz refém de superfícies onde tocar. Sem te
anunciares, me entras quarto adentro e, mal respirando, é o bastante para te
denunciares à minha concordância de fios em contorno. Despertas meus monstros desavindos,
suspendo a eles o ofício do sono, em franco golpe de aríete. Mal abro os olhos e
vejo quem és, acalmo. Dissolvo os tendões. Volto à noite de interiores. Assobio
para dentro, devolvo a alimária ao espaço fechado da minha ânsia. Deito os
bichos na berma do nada, puxo-lhes até cima o lençol que os esconde e lhes
desejo bons sonhos. A insónia nunca me foi um lugar. O sono sim é protecção
ligeira, quase verdade. Venho a dias, aos caídos, como insuflável de boneco
abandonado na época alta. Ainda algum ar e corpo, nenhum curso de água. Chão de
cidade. Estacionado onde me estampo, acelero o olhar para ir onde não posso. Travam
à beira. Param. Semáforo vermelho. Um lado. Andar do outro. Anda tudo ao mesmo.
Au Revoir Simone, ou outro nome que te caiba.
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