domingo, 20 de julho de 2014

TRÁS-OS-MONTES







Range o carro
Dos bois, a paciência
Estática pelos molares. O par
Imperfeito.

Estopas de feno
Disposto, o incêndio dissipa-se
Pelas narinas.
Silharias de pedra
Arrumada, por mãos
Ancestrais.
A loja dos animais, observada
Pelo soalho perturbado de orifícios, a espessura
De uma espécie moribunda.

Range o carro
Dos bois, a temperatura
Resfolgando rente
À laje intermédia, entre nós
E o esquecimento.

O traçado da insónia
Isométrica, corrigida
Pelo ferruginoso
Dos anos.
Actos trágicos, polvorentos.
A comiseração
Pelos loucos, entoada à boca
Pelas velhas, o hábito
Transparente, a aguardente.
Lameiro, cortinha, o bairro d´além
Chão de silvas.

A inclinação dos homens
Pelos pastos, o gado
Desinibido por disputas
De sangue.
A ocupação não autorizada
Pelo senhor das terras, a angústia
Em número inferior.
A idade menor dos pastores
Mestiços, cruzados
Com a doença pestilenta
Dos caninos.
Matam por forro, pelo que
Nasce de novo.
Suavizados pela maldade
De um corpo, com dias
Da morte. Desencontrado
Pelo horizonte da serra.
Paus imperfeitos, sangue rombo
Pelo corpo. Os braços
Do cadáver lateral.
Plano aproximado: veias
Empaladas por espinhos
Da morte. Célere
Circuncisão de sentimentos.

O idoso desse dia – transmite-se
Pelos contos. As gerações
Se entendem.

Range o carro
Dos bois, o lamento
Da vida na terra.

Poemas rigorosos
Na intempérie. Proposta
Pelas palavras distorcidas
À luz. Na boca
Em chamas.
Sazonais.
Água gélida, uma lâmina
De reflexos – louça esmaltada – assentes
No intrincado dos ferros
Dobrados, antes do chão.

O rancor da criança
Aos gatos, a sirene
Em aflição. São colocados
Ao alto, terrestres
Pelo rabo. Ao encontro
Do empedrado de saliências.
Uma varanda infinita, aos olhos
Recentes. Cumprimentos
Dos vultos que se comprimem
Pela memória.

Fatos forçados a um domingo
Pelas costuras. Pelos sinos
Massacrados à corda.
Candeeiros de azeite, frases curtas
Pelo punho próprio. Diálogos
De gume afiado: machado, faca de matar
Porcos. Isto entre irmãos,
As suas conversas interrompidas
Por anos iguais
De inverno. A intempérie
Da pele, envelhecida
Tradição oral. Os nomes:
Mudo, Sótão, Correia, Queijo.
Chacho.

Coordenadas pela noite, as mandíbulas
Postiças. Acredita-se
No homem que se aproxima
Do seu animal.
Ardem ossos, sobrepondo-se
Ao contorno da labareda
Fictícia do breu.
Armadilhas. Encravadas
Pelos membros. Em sangue
Alternam-se as raças,
Se indispõem pela serra:
Lobo e javali, à vez.

Se agasalha. O transmontano
Se fermenta, por frases
Curtas.
Metamorfoses espontâneas. Pelo fumeiro
O fogo passa por casamentos
Em fumo. Ajustes de contas
Por um animal
De colo.
Pela largura do vime
Se inscrevem as heranças.
Veios de terra, a superfície
Esventrada pelo aço, de alçado
Invisível, pela pedra, sai
Um lacrau.

De ofícios. Estilhaçados
Os santos, pelo foguetório
Se anunciam. No inferno
De Agosto.
O ferrador, tribal
Anunciação. Marca o ritmo
Das pedras. Animais calmos
Alteram-se, no contacto
O casco se desgasta
Pelo aço.
Se renova – compactação abreviada
Dos excrementos abandonados
Pelos caminhos.

Par animal-máquina
Entrelaçados por correias
De pele descontinuada, uma
Geração.
Par animal-máquina
Cão e homem, afogados
Pela santa
Saliva do primeiro.

Árvores derramadas pelas horas quentes.

A roupagem ouriçada, em contacto com
Um ser monocórdico. O céu
Pelo azimute da discórdia, água
Pura.
As crianças vertem sorrisos
Alcoólicos. Vermelhidão, uma
Pontuação no rosto.
Cerimónia rude, à refeição
Se encoraja o grito.
Crepitam incêndios, pelos olhos
Se aponta uma ordem.
Às mulheres curtas, essas
Carregadas nas albardas com
Os restos dos braços, dos homens
Adormecidos.

A mão no peito, enquanto
Os olhos em movimento
Trabalhado. Pelo espaço
Deixado à guarda
Do ferro.
Pedras arrumadas, não
Pela mesma mão
No peito, enquanto
Se enlouquece de tons.

Um autocarro de marca
Volvo. Matrícula: Turismo
Na companhia Novo Mundo, ligação
Bragança-Lisboa.
Os lugares vazios, num momento
Registado. Máquina vazia
Numa hora, dois vultos
Assomam o desconforto
Pela porta da paisagem.

Bacios quebrados, por onde brotam
Versos de raiz, naturalmente
Enquadrados na interrupção
Da laje. Um mundo de roupa
Sem cor, os dentes
Inclinados entre
A serapilheira e a serra.
Quatro mulheres, um telhado
Nas costas. Um espaço
Em branco.
Foi um ano de lenços
No cabelo? Uma ombreira de dois
Monólitos.

É um cão.
É um cigano isolado, dois pedaços
De corpo separado por um
Cinto de corda.
A criança é a última
Figura à direita: migalhas a
Um cão insone.
Um olhar moribundo.
A criança é a última, interrompe-se
O trabalho dos vultos, estes
Ajoelhados pelo opaco
Da superfície. As mãos
Sempre ocupadas com
O vazio.

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