domingo, 14 de setembro de 2014

AS COISAS NO MEU CANTO SORRIEM, DESAFINADAS





1.

Choro sobre a pedra, à escala exacta
De uma fotografia. Sobre ela
Me debruço em enxurrada
Sobre um bebedouro
Que, aí, acaba entre cantos.
Sons em movimento, água impura
Da vida, em uma frase
Que mal flutua.

Esta é superfície pétrea, leito de cheias.
Chapa, em espessura
Roubada à memória
Milimétrica. Sobretudo
Pedra, uma memória delapidada
O suficiente no tamanho
Da mão de cada um, atirada
Para o abismo onde sirva,
Perto, um segundo
Da sua presença.
Segundo repetido pelas paredes, o tempo
Uma imagem desfocada
No que diz, em seguida
Esquecemos com o corpo
Mais pesado.

A memória é fadiga pelo corpo
Material, se verte muscular
A ditadura desmembrada
De um corpo várias resistências.
O corpo, maleável assim, projecta
A memória pelo absurdo
Final à pele, a extrema
Divisão em que nos desenhamos
Em perspectivas de fuga
Por ruas desabitadas, outras
Almas que não a nossa
Atormentada.

A memória em assalto rouba
A atenção que prestamos
Às outras espécies, o barulho – avião, comboio (corvo albino, centopeia rigorosa).
Máquinas perfeitas se recortam
Das outras imagens
À punhalada, sempre
Na mesma dimensão, se separam
Pouco do corpo de nós
Loucos.

A memória pela margem
Seca se imprime
Do caos, para o qual
Não temos mãos a medir, mãos
A alisar cantos que se calam
Em icterícia à pele por um corpo
Doente de escalas.

Choro sobre a pedra, concentro-me
Assim, unidade
De água acrescentada
Às folhas mortas pela boca
Em ralo. Impede-se assim
Um coração de escoar
Em dor, para longe
Dos olhos que apenas vêem.

Choro, camuflado de movimentos
Pela chuva de Setembro em todos
Os anos passados, agora não
Consigo precisar, enquanto me recordo
Mal de onde venho
Águas quentes me ferem
A alma em sons de vinil
Antigo – pontual tortura – picotado
Pela agulha ébria, toda
A largura de um sulco onde
Nos arrastamos.



2.

A memória é cansaço
Por extenso, o que é
Um corpo abreviado. Dor
Pelas rótulas pequenos incómodos
Pelos dias; se julga
A fadiga no seu todo
Sem acrescento, logo
O corpo se aventura e conquista
Terra estranha ao ar, em volta
A guerrilha de joelhos inflamada
De músculos, a blasfémia
Em grito arremessado
Ao que ainda mexe em um canto
À esquadria, em silêncio
De movimentos, é tudo
Quanto se pede a um Deus
Que morra um pouco
Por nós, na nossa vez.
Habitua-se um corpo, devagar assim
À morte para sempre.

Habituá-lo, ao corpo
A não ser preciso se necessário
Por momentos, a ter direito
Um lado de si esquecido
Por todos os espaços preenchido
Por braços e travessas
Medidas, nisto os olhos reparam.
Numa montanha que desaba
Em pálpebras, o peito
Assenta.



3.

Coitados de nós – assim se acredita
Dos olhos para dentro – já não
Fornicamos como queremos,
Desde sempre e desde que
Fomos separados da matéria
Viva, do que bebe
Água e só água, tudo
Com cor própria.

A paz dos outros, indiferente, coitados
Livres de ponteiros
Pela cintura, o dia
Marcado por uma hora
Incerta, aí
Mentimos com a nossa força, de cada um
Alavancada pela construção
Singular o que temos dos outros que,
Assim, mentem
Também acerca de outras coisas que não podem ser
De outra forma.

Pelo engulho da vida, mentimos
E não há uma hora
Para dizê-lo ao corpo,
Não o faças.

Atrás da orelha, uma escada
Abandonada à pressa pelos inquilinos
De passagem, a uma determinada hora
Num bairro residencial atafulhado
Pela insónia.
A ninguém interessa, atrás da orelha
Hospedeiros pobres de sangue, sempre
A orelha, que se corta com o gume afiado
Da língua todas as conversas
Em pele e osso, assim o corpo
É fácil por assim dizer
Uma vírgula erecta, o que separa
O animal da memória
Do homem, esquecemo-nos dele
A cumprir os lugares por nós,
Onde deveríamos estar
A esta hora se não
Estivéssemos nós
A fornicar, aqui, uns com os outros
Entenda-se, não por monólogos.

Nada é mais importante, nada
Nenhuma outra conversa
Nos distrai tanto, tirando talvez
Para fora o tema
Da braguilha a fome
De géneros. Putrescíveis
Sensibilidades em corpo, as mais
Saudáveis.
Segundo quem sabe
Da coisa, tudo
Desaparece para um canto
Onde sorri e assim
Nos fazemos
De difícil, tanta coisa há
A arrancar em cubos
De nós.



4.

Por contas, a matemática
Do vento ao moinho
Velho de urtigas não é
O mesmo do eco, há anos
Gritado pela boca
Da pedra no alambique
Cansado de cobre
Pelo esquecimento ainda quente
De ausência, a memória
Arrastada pelas cordas
Dos homens na facilidade
Da noite, para um
Ferro-velho de hipóteses.

A herança do pó as coisas
Deixam, quando vão
Para longe de nós.
O afogamento como sintoma
Do perdão que se pede
Sem arrependimento
De facto.

O prazer é um inferno,
Um objecto à força
De músculos e células.
Toda a camada espessa
Se liberta, vem à tona
Do mar no corpo.

Moroso o tempo
Sobra, a angústia
Por soluços de espaços
Em branco, o rancor
Pelo corpo se inquieta
De emergência.



5.

Arquitectura decadente, o corpo
Mal medido pelos vãos rasgados
Na fachada onde chamamos
À atenção por gestos, linguagem
Gestual, um choro
Pornograficamente mecânico
No ponto em que se fixa, a mania
Na janela em frente, a vizinha
Finge a queda de uma mola
Da roupa, para longe
Do peitoril, atirada
Com intenção para uma
Parede dos fundos. Se torna
Diferente no regresso
À esquadria, nua
Da cintura para baixo, se estende
O sorriso pela corda se volta
Para o canto escuro, onde
A mola se encontra ainda.
O segundo de um cu açoitado
De perfeição, pela mão
Diz adeus é esquerdina
A Felicidade dos Santos
Em nome da gula, masturbo-me.


6.

Escrevo, à vista
Um homem mal tratado
De alma, veste-se
De uma cor neutra
Que lhe anula o corpo
Abaixo dos olhos.

Os seus olhos são fossas, transbordam
De uma lâmina líquida, toda ela
Da matéria em cal
Degenerada, viva
Decomposição do que quer
Que seja a sua refeição
Mal digerida, várias vezes
As mãos no rosto tremem
Pela boca as frases
Repetidas baixinho, quase
Só para ele, tem vergonha
Do que pensa, se parece pois
Confirma sempre com os olhos, como
Eu, à sua volta
Cada frase torta, que abandona
À pressa em um
Caderno antigo de linhas.
Segura-se ao fim
Do banco onde se senta, como
Se fosse desfalecer, por causa
Do último verbo anterior.

Inspirado por um outro, mato
O texto – continuo a escrever.
Seus olhos, se parecem com ausência
Da vida, fossas
De morte profunda.

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