quinta-feira, 23 de outubro de 2014

FENDILHADO






Por insolação a mão terna
Nasce do ancião, um deles
Áspero. O mar afastado
Do seu rosto, um nada de Inverno
Pela linha de terra
Do seu olhar. Artificial a luz
Ilumina o cordame das suas vestes.
Pontilhar como a expressão
De um corpo deformado assim
Em nódulos. A paisagem
Da pele se perde, pelas esquinas de um
Esqueleto tranquilo.

Tantos os dias vezes a memória
É toponímia da cidade
Em braille. As ruas tocadas, de perto
A ponte iluminada pelo impossível
De uma lua forjada
Em ferro, costurado o ser
Às peças. Dos comboios se atiram
Para a pontualidade das ruas. Aqui tão perto se atiram
Estas juras de amor à pele. Bagagem de mão
Esquecida, retorcida
Por entre a amálgama de seres
O que se pode. Mais não
Se exige em silvos. Esbraceja assim
Pelas superfícies de ficar
Nu em pêlo. Um hábito
É a súplica texturada da pele acompanhada
Por uma boca amarrotada
Em texto. A ansiedade
Das coisas por acontecer, tem o lugar
À cabeceira da mesa. Imaginam-se
Como talheres as cores primárias, farmacopeia
Desorganizada. Refeição magra, a escuridão
Alimenta. Cada fissura
Se torna um abismo. Me lembro dele assim
Ancião, triste pelos dedos
De uma mão – que digo eu?
Seu som diferente
De diversos. Para montante
O que dele sobra
Em contornos. O que percebo
Pelo ouvido: «dêem de comer ao menino»
A quem por lá andasse, se por mim dava
Agitado à sua frente. Começo
Nem sempre acabo. Assim. Agarro se posso
As franjas do que sou. Graves, até onde
Se estendem em nomes, mal
Partilhadas as heranças de cada um
De mim nas ombreiras. Experimento a rapidez, no que é
E se preciso sufoco, incompleto
Por assim dizer. Se não o faço,
Escrevo. Nos intervalos de tudo
O resto, o que me despedaça
Em múltiplos. Por eles. Escrevo
Contado por tostões, me embriago
E enlouqueço. De todo
E tudo tão rápido conto
Pelos dedos uma estória
De bermas, até onde
Me lembro. De mim em pelicula
Violentada com a lâmina
Em diagonais. Emudeço
Fora dos tempos, dessincronizado
Com a curvatura das costas, ângulos
Acidentados pelo solo. Aqui
Acabo em rasuras. Por vezes.
Volto. Volto sempre. Ulterior
Às arestas, a minha angústia. As sombras
Continuam a ser corpos, continuam
Enleadas pelo magnético fronteiriço
De um Norte. As gentes
Resgatadas em movimento
Interior ao resto, por momentos
Elevo o tom, em tramas
Riscado o rosto à escala
Da cidade estreita. Confirmo
O céu que se move, ateado a um
Final de tarde: o cheiro a queimado
Provém da matéria
Em combustão, pela superfície de todos os lugares
Em abcesso. As frases se elevam, ouvem-se
Freios aconchegados aos ossos. Algo
Anima os motores, assim
Se tornam independentes dos seus
Mecanismos por cremalheiras, assim
Acelerados por impulso, cada um
Como cada qual. Vou
E não quero ter de ir, então forço
A frase que seja para prolongar
E preencher de céu
Natural a minha cor igual a tantas
Como esta folha em branco. O que vejo
Possível em tudo, as pessoas
Atravessam – motim – as passadeiras.

Alteram-se as buzinas pela atmosfera
Descontrolada. Do outro lado da estrada
Quase não se dá por uma fissura, esta
Afastada pelo esquecimento
Isométrico. Ainda
Tenho tempo para, por ali,
Ver desaparecer duas figuras.
Dois homens: um tinha uma mochila
Às costas, pouco mais consigo
Dizer desses dois. É o que fica.
Pelo intervalo da tarde
Me acomodo. Por entre
A arquitectura nervosa de um
Interface. Escolho a saída
Escura, onde é
Quase sempre noite.

Um cigano aproveita as beatas
Ainda quentes dos lábios
Que não as aproveitam até aos dedos.
O difuso da luz, em queda
Livre pela estrutura de betão
Mantém o que desejo do movimento
Dos outros, a uma distância
Segura. De qualquer forma
Estou aqui a um passo de ser
Mistura, no início desta
Câmara escura onde se projectam
Os motivos que me fogem
À pena, escolho alguns
Para o sentido a dar a esta
Escrita desconfortável. De pé
Encostado a um murete, estremeço pelo frio
Da voz mecânica que se torna
Mulher. Mantra indelével, ponto
Pesponto na boca
De cena. Saem os personagens, incomodam-se
De passagem pelo palco
Do vidraço. Um véu de fumaça nasce
Do assador de castanhas, porventura o primeiro
Desta estação na cidade. É levado nos braços
Do vento, acaba acidentado contra
Um painel de azulejos
Que ninguém vê. A parede mestra
Sob o discurso metálico
Das carruagens que se não demoram
À superfície. Por vezes
Há um quase para haver
Um barulho. Terno, diferente
Do caos que se estabelece. À tabela
Até um avião que passa é
Afago no rosto
Desta estridência. Habituei-me
À fala com os geradores. Com estes
Convivo em paz, depois de tudo
Tremer à volta, a cercania
Das crianças em jorro
De dentes e joelhos em riste
Assustam as nuvens, com as suas
Canções abraçam o próximo. Depois
Se afastam para as suas casas
De contar. Alfanuméricos os abraços
Com nome. De quem diz
Amo-te! Como foi contigo,
O teu dia. Aprendeste?

O negro que, aqui, mora
Leva a tarde com ele
Apertada, sem espaço que sobre
Depois das mãos. Nos bolsos
Se resolve por um canto, a que se dirige
Por frestas [Amo-te! Diz-se assim
A um espaço?] mija o contorno do corpo
Que é seu, em sombra
Se decanta. Outro dia
A chuva começa a ser corpo
Pelos incautos aos que se lhes escapou
Um vento diferente no tom
Encerrado do céu. O olhar
Rápido procura uma esquina
Em desencontro, os ângulos
Abrigados da nostalgia
Desta hora. Correm alguns
Pelas bermas inclinadas, entre duas
Vias de intensa circulação. Onde
As máquinas se fingem, absolutas,
De normalidade. O dia dobrado
Pela chapa. Abranda um pouco
O mesmo homem que ainda há
Pouco se isolava, numa dessas ilhas
De beatas, estilhaços arremessados
Pela fúria das gentes, as suas
Correntes, engarrafadas
No seu hábito de vidro.

Voltou. O que procura ele?
Inclinado para a base
Que o segura, agregado de carne.
Voltou. O que procura ele?
O que perdeu deve ser
Pequeno, à medida da mesma mão que revolve
Estas insignificâncias depositadas pelo vento
Dos outros. Em abstracto nos distraímos
Deste homem. Que nos copia a todos
À nossa passagem, assimilando
O melhor dos gestos de cada um
Como se estivesse
A escolher uma ferramenta adequada
Ou a arma perfeita.

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