sábado, 21 de março de 2015

ÂNGULO MORTO







Desocupo o agora de moradas erradas, de botões por apertar, das visitas agendadas para um dia qualquer por ser     um dia     por comiseração     atendo a última chamada do dia e, calmo, faço a triagem da catástrofe por acontecer falando baixo     sem pressa     lânguido sopro de última humanidade ao ouvido da dúvida em corpo do outro lado     sugerindo que se afaste lentamente para a rua mais próxima e     por favor     que não toque em interruptores. Espero que alguém, esse e outros, desliguem por fim de tudo dizerem     depois falo     e digo que não é nada é só     o que mais faltava uma canção     nada mais     uma nota e outra, depois nada     espero se mais alguém, senão     muito bem até breve que o tenho que fazer     um sossego e     removo a espessura às paredes que faltam, as que ainda mal me separam a mim e à loucura que é minha bem sei     branda    do resto. Formo, com o que fica     e é tão pouco     se suficiente, ângulos indefinidos como o são entre a madeira do corpo e a pele dos outros dias, que engomo em cima do horizonte deitado em cavalete num canto qualquer     qualquer canto     no espaço que me ocupa esta frase. O poema se desprende da boca momentânea das coisas, rilhando suas palavras, umas nas outras, habitando as assoalhadas da memória maior para a mais pequena tempestade de sons parcelares     ao meu encontro, em passo apressado     vozes me mordam todas de uma vez que seja     uma e só     a cicatriz a lamber pelo meu cão em desordem     assim não     cão     qual cão sangra sua raiva sem dono assim minha, como à palavra assim regada por ela, a gasolina mais fiel à estopa de um aparo     desconchavado     tenho medo e não é pouco     de dizer outra coisa que     não esta tarde, não     o que sinto     rarefeita coisa     esquecida no peitoril maltratado que tenho no lugar     do  meu coração. Não me comove quase nada     um beijo se tanto     fica por dizer disto tanta coisa    ao outro     animal como eu     de mim levam quase nada     e mãos pequenas     onde cabe a febre por entre     o egoísmo de tudo ignorar, isolado das marés      e de uma dança atrasada no seu fim, para um espaço     que é     vertical sobretudo     por dizer     um homem se altera em ângulos. Seu corpo     meu corpo     ocupa o lugar da circunstância, a direcção tanto céu como horizonte. Preso por um fio, à mão o esquadro se levanta pela contrariedade. No lugar de antes     agora     desocupado, para lá estar um bando de aves que se não afasta do seu segredo marítimo (atraídas pelo suor em ponto          meio-dia). Se afasta este homem     em diagonais curtas desenha seu lugar imediatamente ao lado, recusa assim um caminho a direito. Lavra homem uma maré de nadas, se afastam as águas pelo seu pulso, o rio recolhe sua lágrima     prende-a em corrente ao pescoço desses bichos todos vigilantes. Confirmam eles o princípio de um chão que desaparece. Volto ao mesmo lugar     sem querer e sem     fazer um esforço por entender. Vira homem o rosto para o outro lado     o que acontece logo ali     no cabo dos pés. Lavra homem uma maré de nadas, sua vegetação esquecida em profundidade revolve     com a arma encurvada, ataca     humilde a pedra por ali espalhada, disposta como laje fúnebre (seu corpo     aquele a despe de superficial, a afaga para as extremidades afasta o que a cobre     levanta-a como corpo que é, castiga seu dorso e, se nada tem do que procura, a devolve ao lugar de antes). Personalidade dobrada no corpo, a partir dos pulsos mede um tempo que é só seu e do rio     que o permite     pelas margens o sossega em ponteiros. Se encurva, se transfere     pelos lados de um rectângulo mal desenhado. Outra vez se levanta     a pedra     em um movimento simultâneo a outras quantas     batidas cardíacas. Outros vêm, pela sombra     do caminho inverso. Outro chão construído por entre os pilares do pontão, onde atraca a nostalgia vinda de longe. A paisagem é interrompida por gritos     da pessoa que é também mãe, assim evita sua criança     de ser criança. O rio     reclama seu espaço de há pouco, uma ave e outras se afastam em montículos de lamento às águas     que as atam     pelos tornozelos. Desaparecem     devagar todos, e como     num final de sonho. Estas palavras modificadas     por vozes sem género     se sobrepõem em camadas de um mesmo tecido     insignificante, quase um corpo     a desaparecer na fogueira difícil, a comunicação interrompida por uma dialogante solidão. Inconsciente ou não     altero estas moradas que nunca visitei     juro     com a mão em números pares e ímpares     como toda a gente que por lá mora.

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