Determinar
um centro em vão de janela. À vista, deste lado o sono há quanto tempo me
capturou – pelo interior ou do avesso? Encostado ao vidro, preso por arames
vindo do alto, a personagem se explica, não querendo dizer nada, por gestos
transversais à paisagem para lá. Braço esquerdo, vincado, na direcção das
nuvens o punho cerrado. Pés descalços tocam a superfície transparente com o vértice
dos dedos, avançados combinam com pernas escancaradas. Braço direito, esticado,
a mão escondida coincide com a esquadria recortada. Invisíveis. Janela de duas
folhas. O ser, animado, ocupa uma. Por trás da outra, outra ainda a formar
canto, encostada a certa estrutura tubular, interminável, travada por conjunto
de treliças reluzentes. Polindo o sol chegado a nós. Um segundo passou por
dentro. Outro fotograma demente ocupa o pensar que se não refez do passado
recente. Ainda agora. Um céu branco absoluto é manchado por laje em consola, tramo
da arquitectura nocturna, aresta viva, um corpo suspenso na fronteira do traço
que o divide, sua cintura descai, dúctil, por pernas e pés bem assentes no
abismo. De golpe. Sombra, reflexo – formações vítreas, costuras que interrompem
infinitamente o plano, por onde este céu se vê céu alterado, nuvens dobradas. Luas
idênticas. Multiplicando-se, poeticamente, o defeito em tudo. Os olhos reagem,
quando agredidos pela falha na lâmina onde se encontram. Paisagem anulada,
ponte partida a meio, limalha expulsa. Matrizes. Estrada intermédia, dos lados
a mesma berma para onde são atirados braços desligados do conjunto. Pedra bujardada
pela tinta secular. Minuciosamente. Caminhamos os dois ao fundo, atravessamos,
quase nuvem que passa ao rés do fim. Elementos soldados entre si, descrevem uma
curva abrupta. Receptáculos de dimensão não aferida, preenchidos com os
destroços do que se idealiza, dispostos de modo rigorosamente imperfeito,
cravados no terreno herdado de outros. Um fio de água tua – maré dita de boca –
e outro meu, atados ao horizonte. Por ali edifícios abandonados. Uma árvore,
digo uma árvore e outra vez se é caso para tanto. Articular, sofregamente, a
ausência um do outro. Dispostos em montículos, átonos. Um do outro nos esquecemos
devagar, arrumados fora de mão. Por semear. A pedra do coração, calada a tempo.
Depois vou, rasante, dobrando a esquina formada pela TRAVESSA DE TODOS OS SANTOS
e a RUA DOS DESENGANOS. Volto à gaiola, onde só aí sou pássaro.
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