domingo, 1 de novembro de 2015

REALEJO






O poema é arrastado
Pela lama das ruas, não
Existe sem ser
Pretensa marga modeladora
De expressões articuladas
No subsolo muscular, num
Rosto suficientemente
Compacto.

Arrepiar caminho.

Vincar num rosto o tecido
Da palavra, quase não permitir
Que esta deixe
Impressa sua marca apagada
Imediatamente pelo movimento
Do cilindro normativo,
No pergaminho da pele
Que desprezo
Como título.

Espaço microperfurado,
Por onde desagua
Toda a intempérie, afiada lâmina
Liquida. Matéria turva
A olhos vistos.

O poema ganha
Altitude. Transfere céu à asa
Do coração. Sensível do rapace,
Imitar sua ordem,
Simultaneamente confundir e
Sua pressa quebrar
Artificiosamente, dando
Coices ao ar
Das formas. Provocando
Assim sua cegueira, em pleno
Voo, por instável
Andamento de géneros
E motivos.

Largo no céu
Da coisa dita, a tempestade
Formal, esta circulação de todos
Os defuntos aligeirados
Na sua matéria
Ocasional. Tráfego
Intenso em hora
De ponta. Afiada,
Com tempo, no teu rosto
A imagem imóvel.

Abandonamo-nos à fome
De tudo, mastigamos
A côdea
Do cosmos.

Que é sempre uma canção,
Sabemos.

Nisto, ela, insiste pois
Para que
Todos: monstros ou
Incautos – cápsulas do tempo – tenham
Um pedaço de giz
À mão, iniciando
O sinal que somos
Ao eixo da via. Impossível
Terra de nome
Cravado no tardoz
Deste alçapão. Manuseado
Por essa mão única, infrutífera,
A acalentar escuridão
Em lugar dos candeeiros.

Que se perceba, para
Nós, os domingos
De sempre (pausa
Semibreve) um dia de avanço
Ou aviso
Sonoro – é um louco que grita
À nossa porta
Que não é – “ Não sou
Maluco! ”. É,
Vou fingir
Que acredito.

Este apego ao tema
Da morte colectiva
Dos outros, depois de mim,
Que é pouco
O que interessa
Fazer desaparecer, agora,
Deste presente. Tudo em mim,
Mistura arábica
De indefinido sexo e
Raiva jacente – quanta
Amálgama de fotogramas
É exactamente desnecessária
Para que a vida fique
Sem legendas?

Sobre a toalha, talheres inúteis
Para dissecar
A carne da ignorância, servida
Aos convidados – hurra! – Aí vêm
Os rapaces. Pois
Não façam cerimónia, sirvam-se
Desta refeição afinal principal,
Que é composta por
Estes bichos civilizados, imaginem
O dia mais quente do ano
Calcinando a mão
Que tudo quer.

No meio desta multidão,
Me desvio a tempo
Da tua melodia
Insistente. Marca a rosa
Dos ventos o oriente
Taciturno, pousado, nos teus ombros.
O realejo por ti tocado,
Se converte em
Música acidental, um sopro
De espécie alguma
A assorear
Esta pele um pouco
Lenta para ser
Traduzida por um
Tambor.

Sou também
Aquele que vai
Esquecido, desconcertado
No banco de trás
Deste veículo
Desgovernado.
Não me canso,
Por pedir repetitivamente
Para que aumentem
O volume ao som
Do que dizem,
Instintivamente. Finco o pé
No tapete, abruptamente,
Omitindo o que seja
Demasiadas vezes.
É também o melhor, dizem,
Este lugar que me cedem,
Cínicos, aqueles
Que aguardam
Em serena convulsão,
Espalhados por quilómetros,
Na berma da estrada sinuosa
Que percorro
Impávido, e me acenam
Com o tom branco
Incomodado com
O vermelho cuspido
Pela morte próxima – a que devo
Toda esta solenidade?

Quando parece ter chegado
Inadequado fim,
Desato a rigidez
Aos músculos do corpo,
Pouso a mão
Ao lado do corpo, toco
Naquilo que tomo
Como o areal de um lugar
Que não existe, e é
Tão só
A tua mão.

Estivadores da melancolia,
Prestam homenagem
Fingida na soleira
Da entrada. Impedem-se
Uns aos outros, tantos
Como os dedos
De uma mão. E o cão
Acena com a língua
Atiçada aos tornozelos
De um deles. Como as palavras
São gravadas a quente
No cunhal do edifício
Temporal. Ao acaso,
Triangulações espalhadas
Em pontos escusados
Em ignorar, apontados
Na fina folha
Da tua febre. A luz
Insuportável pelo que
Amanhece. Doente
Por esgana, transmito
À constelação turva
Do teu olhar,
O eclipse
Do meu ser. Pelo nervo
Condutor, se perde
A nostalgia de um inverno
Anterior. Pelo interior
Das veias a descoberto.
Esta porta é marcada
Com um rectângulo
Branco. Negra
Cruz desenhada
A tapar o olho de
Boi. Morreu.



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