domingo, 9 de fevereiro de 2014

TEMPESTADE



Ajustam-se exactos – perturbação – alguns candeeiros da rua. Apagam-se no mesmo piscar de olhos, esquerdo e direito, e desfiguram metade do contorno da face da rua. Acima da sua altura, do lado aos ombros, também de todos os outros sítios a partir do seu início, um céu invisivelmente aterrador. Uma linguagem de lugares estranhos, perdidos desse outro lugar onde existem estranhos, confusos. Para aqui desavindos, neste outro lugar que se não sabe explicar melhor. Onde estou, ventos de mão forte insanamente incorrectos, agarram com violência os ramos despenteados da mais antiga árvore que aqui habita. Sempre a conheci enorme, bondosa anciã, a professora do canto diferente destes pássaros de manhãs pequenas. Agora é noite, e naturalmente não existem nestas condições. Corpos de água sufocados pelo ar, a terra que atira em altura o que nela vive, uma árvore. Elementos sem sexo, que se anulam em razões igualmente sem lado. Um cão que se assusta com os ventos, com os ramos, com a água que o ensopa tornando-o lento. E sem o saber, está no exacto sítio das raízes deste mundo de fantasmas. Este cão tem raiva – uma doença sozinha – que arrasta até ao caixote do lixo da berma mais próxima, este tombado desistente. Vêm-se-lhe da boca aberta as refeições de horas diferentes. Tocam-se as duas bocas num gesto incompleto, animal e objecto de contenção urbana. Trocam temperaturas parecidas.

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