domingo, 30 de novembro de 2014

IMPRESSIONISTA






Mãos de carvão encerram o segredo que é teu início. Sublinham o olhar encaracolado, revolto, a última fronteira da noite apagada no teu rosto. Pensamento ateado, de perto, à pedra do corpo. A boca como o único apontamento de água potável, na tua medida de serapilheira. Dorso húmido, musgo que cresce no lugar sombrio da memória, onde ainda estão visíveis as linhas auxiliares do que abandonaste dos primeiros contornos, a pele do que foste. Suspendo o cinzel por instantes, e nem te dás conta. Tens a atenção toda da rua deserta numa hora alta, ditada na superfície das poças de água tua tempestade assim lembrada. Mãe morta, folheada por dedos confusos, decantada por rostos que acontecem dispersos, todos interrompidos por uma lua de rodapé. Enclausurados passivos, desenhados a fogo por cima da massa escura de um sonho rasgado dos livros. Setas paradas pelo lado afiado, exterior, da superfície a elas subtraído, imediatamente antes de serem outra coisa. Peito amputado ao chão de servir, o meu, enquanto uma das tuas mãos recostada nas brasas do teu suspiro corpóreo, a outra, uma maré sem berma, que se espraia pelo osso vivo das mesmas unhas – estacas topográficas – que se enganam nos vértices do meu corpo, inclinadamente baldio. Uma cabeça cortada, de pé, despojada do corpo e unida à terra em tons de pele, à pele, uma sombra branca, untada à última emoção de um todo. Em um canto esquecido, fora do lugar dos ventos, um espelho em que se reflecte uma lua deformada e o meu rosto abotoado ao seu tecido. Lábio inferior, pintado com o mesmo sangue que usaste para me distinguires as mãos nesta escuridão exemplar. A lâmina do colarinho, ajustada ao meu pescoço branco. A fuligem do meu olhar, espalhada pelos espaços vazios das tuas perguntas. Mãos agarram mãos, obrigam rostos a uma escala impensável, ordenam ainda a uma cor que desapareça. As cavidades de outros corpos, preenchidas com o percalço da manhã que os aproveita aos pedaços. Um rosto paralelo antes do chão que copia, um braço que termina na mão que acaba o que ali existe. Supuradas, as linhas contagiam o olhar com as costuras das cores sobreviventes. Numa terra longínqua, o funeral das tuas mãos passa em grãos pelas minhas. Apenso o boneco obrigado de duas crianças, encurtadas no papel da sua infância. Um anão cego, servil, lamenta-se do gesto perdido entre nós vontade assim, enquanto espalha a lenha mal queimada nas tuas costas, do cerne das palavras saliva e adeus, ditas por mim à tua frente. No final da estrada, ainda é o sol poente do teu rubor a última coisa que vejo de perfil. Inelutável o visitar-te os traços, na aguarela comum deste sonho.

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