domingo, 13 de setembro de 2015

AUTO (CLAVE)





O chão em tosco – e as paredes? Estas superfícies por onde se emaranham pés e mãos podem tão pouco estas e aqueles, tudo, como pele por isso em volta. As luzes acesas, pontuais, parece que perdidas no seu próprio céu, na encurvada finitude do túnel (esventrada seja a nossa obra…), assim adiantadas por braços outra vez as paredes, por onde se finge que entra o dia todo por aí. Sincero é aquele que é; quando sou eu, digo que isto me fere menos que o escopro afiado do teu olhar, amolado no que me resta de pedra. Esse olhar teu, desviado, decomposto em traçados técnicos e outras irregularidades. Nos enleamos a pulso, enquanto aqui ficamos, pelo corpo a dizer esta ou aquela insensatez capital, andamento de suor em nosso rosto, quebrando-se assim o contorno onde acabo mal tu começas. Expulsas teu vento contra a pedra, alagas o cavado dos pulmões com o mar, este, que nasce em nós. Oh! Que te perco, sei lá bem onde, se me distraio por pouco e já adeus é tempo ali ao fundo, os lábios que nos suspendem a esta cobertura, em falsete dizes de mim «bruto!» quando sempre voltas. Teu gesto de ver, pio acto (dirás depois que era a seda dos meus segredos que levantavas) em um segundo os braços retesados se viram contra a nossa tempestade incalculável, se atravessam à frente de todos esses olhos que nos seguem, a pendurar cabeças de bois degolados à sua força, na arena de uns poucos metros quadrados, fortificada pelo ânimo do assassino. Qual de nós. A besta ali não escolheu perecer, assim incompleta de um vento último ou do pólen crepuscular que se precipita, se assim o lembrar, não o sabemos (que tanto é já o que temos para ignorar). Sou testemunha e assisto às mãos, que tuas são, a pôr por ordem por esta mesma que te é mais cara, algoritmo demente, significado teu só isso por olhar, parecido com quase estar e eu a sorrir, como um outro, de língua enodoada da apatia a mesma em que falas. Embelezas o teu mostruário (à vista de todos, troféus de aparentes vitórias) com missangas e horrores vindouros, como uma promessa. O melhor que sabes, com o que te sobra da morte. Ela segura, combinando a presença oposta de polegar e indicador, a chávena, como se a esta se segurasse um pouco nada da mesma turfa nascida no dorso da besta inversa, indisponível, nariz apontado no chão, a outra mão que é dela, também esta sim, como à vida se agarrasse, presa ao tronco polido do cabo da faca que disse tudo, sem nada deixar por dizer. Seu hábito encardido do pigmento repentino (brota de ti o petróleo do suspiro último), por hoje vai e persegue minha compreensão, não peças a culpa por seres quem és, infantil perdoas tudo e quem exista. Pelo instante és circuncidado de modos que maneira, esta em que, com mão firme no seu abalo, bujardas o peito da matéria com pontuais nadas, isto é, dobras a pele em volta do coração em morse: dor traço dor espaça o cansaço. O pássaro rasteiro comete a loucura linear de se aproximar ao chão que pisas, e depois nada se perguntas. Retardar o gesto, forçar antes o ar a sair, do interior desta construção fundada em aterro (solo impossível para, aí, se erguer verso ponto final.). No seu negativo escancarado, a paciência tamponada pela cortiça da incompreensão, forma circular de dizer a outro sol por onde ir se quiser. Arrasta os pés, vira a cabeça, entorna os braços no peito, uma das mãos enquanto me olha, se afunda no bolso a procurar o que a ocupe, de ali sai mão vazia. Pára. Olha o céu por entre estas treliças da construção, pesponto ferruginoso costurado pelas mesmíssimas mãos que me afastam para lá. Encosta o corpo, por ora o dela, à pedra; marca a pulsação com o desnível das pernas, ponto de rótulas flectidas em graus desavindos, leva à boca a cerâmica, sorve seu dentro em menos de nada. Quase que apostava nela, e em como tudo aquilo estava a ferver. Finge bem, o mínimo de olhos a revirarem diferentes, e era porque eu olhava com atenção. Vêm fardados, vestes da cor céu nenhum, com aquela cor de azul e tal, as mãos descrevem circunferências, inscrevendo aí bocas de espanto, sua palavra falta à conversa ao mesmo tempo, nesse tempo em que afastam as nuvens com o credo em outro céu e assunto que não o deles. Bagaço, um cheirinho de café, parecem-me ser o final ao que dizer. «Vê!...Têm de sair daí três fios…». Seco a última lágrima que fingida, por nada mais parecer ter a dizer, quando me estendem lenços já usados, húmidos, vincados, esborratados com os tamanhos de boca vários, destes meus personagens que o não sabem que são, outros fogem e nem o olhar me emprestam. Sou calmo em figura e paciência (mentiroso!), como o fotógrafo das espécies bravias, dos motivos fugitivos dias a fio, sem espirrar ou quebrar os ossos da mão que os apanha com os dedos entrelaçados. Ainda agora, pousam dois malandros à minha frente; mantendo a ponta do aparo na folha, se desenham a si mesmos atropelando a linha superior dos meus óculos. Desconfiados, olham para todos os lados, não para mim, remexem de cuidados sua bagagem de mão, e de lá tiram um aparelho de comunicar, trocam os seus cartões, ligam os aparelhos ao mesmo tempo, juntam costas e contam a partir daqui se afastam cada um a falar sozinho, para nós e para um outro. Percebo apenas a palavra VISITAR. Se dispõem (e se indispõem) as palavras, como louça a escorrer, o seu vidro a ser lambido pelos contornos do que se diz, sons naturais em acidente. Significa tudo tão pouco, ao fundo ela para ele sorri, a desviar o olhar do caminho que têm, por quase nada se encontra este com a parede ali de lado. Outro estica o braço, polegar em norte, depois passa, quem cumprimenta é segredo desta construção que o acolhe do lado esquerdo ao motivo observado. Reparo meu: por ali fora, junto à berma, estacionaram todos seus veículos tão direitos, uns a seguir os outros à distância fixa, mão invisível que esticou o nível enquanto sibilava a ordem de imobilização – obedeceram cegamente, e não entreviram o que era apenas pormenor: PROIBIDO ESTACIONAR. Para dizer que não, que seja à vez. Não é sempre não. Não é importante que assim o seja. Não ligues. Não voltes (nunca a não voltar). Não to digo outra vez. Entorta-se nas minhas costas um sonoro desvio de atenção, obriga-me a ter de te ver uma outra vez a noite em par, plasmada no todo espaço que é ali depois da fachada de vidro que me entorpece a mão, ainda antes sequer de ter vontade de a tocar. Por dentro das coisas construídas para nos modificar, ou simplesmente esquecer que algo existe fora delas, pé-direito maior que a dúvida que se instala entre o que somos e o tecto infinito. Ainda nas minhas costas, alguém «vida madrasta» diz que aceito como verdade, cegamente, sem confirmar o rosto que é sua nascente. Palavra. Esfrega os olhos, personagem, e mantém morno o diálogo que manténs com essa aí do lado; se não é assim, respeito. Enterneço-me e amolgo o aparo com o coração de sentir lá por casa, fazendo a vontade a este tempo de não acontecer, elevação por dizer assim, e aponto o rosto dela a pousar no algodão de outro ombro, de quem é complemento a este costume de segundos.


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