O
chão em tosco – e as paredes? Estas superfícies por onde se emaranham pés e
mãos podem tão pouco estas e aqueles, tudo, como pele por isso em volta. As
luzes acesas, pontuais, parece que perdidas no seu próprio céu, na encurvada
finitude do túnel (esventrada seja a nossa obra…), assim adiantadas por braços
outra vez as paredes, por onde se finge que entra o dia todo por aí. Sincero é aquele
que é; quando sou eu, digo que isto me fere menos que o escopro afiado do teu
olhar, amolado no que me resta de pedra. Esse olhar teu, desviado, decomposto em
traçados técnicos e outras irregularidades. Nos enleamos a pulso, enquanto aqui
ficamos, pelo corpo a dizer esta ou aquela insensatez capital, andamento de
suor em nosso rosto, quebrando-se assim o contorno onde acabo mal tu começas.
Expulsas teu vento contra a pedra, alagas o cavado dos pulmões com o mar, este,
que nasce em nós. Oh! Que te perco, sei lá bem onde, se me distraio por pouco e
já adeus é tempo ali ao fundo, os lábios que nos suspendem a esta cobertura, em
falsete dizes de mim «bruto!» quando sempre voltas. Teu gesto de ver, pio acto
(dirás depois que era a seda dos meus segredos que levantavas) em um segundo os
braços retesados se viram contra a nossa tempestade incalculável, se atravessam à
frente de todos esses olhos que nos seguem, a pendurar cabeças de bois
degolados à sua força, na arena de uns poucos metros quadrados, fortificada
pelo ânimo do assassino. Qual de nós. A besta ali não escolheu perecer, assim
incompleta de um vento último ou do pólen crepuscular que se precipita, se
assim o lembrar, não o sabemos (que tanto é já o que temos para ignorar). Sou
testemunha e assisto às mãos, que tuas são, a pôr por ordem por esta mesma que
te é mais cara, algoritmo demente, significado teu só isso por olhar, parecido
com quase estar e eu a sorrir, como um outro, de língua enodoada da apatia a
mesma em que falas. Embelezas o teu mostruário (à vista de todos, troféus de
aparentes vitórias) com missangas e horrores vindouros, como uma promessa. O melhor
que sabes, com o que te sobra da morte. Ela segura, combinando a presença
oposta de polegar e indicador, a chávena, como se a esta se segurasse um pouco
nada da mesma turfa nascida no dorso da besta inversa, indisponível, nariz
apontado no chão, a outra mão que é dela, também esta sim, como à vida se
agarrasse, presa ao tronco polido do cabo da faca que disse tudo, sem nada
deixar por dizer. Seu hábito encardido do pigmento repentino (brota de ti o
petróleo do suspiro último), por hoje vai e persegue minha compreensão, não
peças a culpa por seres quem és, infantil perdoas tudo e quem exista. Pelo
instante és circuncidado de modos que maneira, esta em que, com mão firme no
seu abalo, bujardas o peito da matéria com pontuais nadas, isto é, dobras a
pele em volta do coração em morse: dor traço dor espaça o cansaço. O pássaro
rasteiro comete a loucura linear de se aproximar ao chão que pisas, e depois
nada se perguntas. Retardar o gesto, forçar antes o ar a sair, do interior
desta construção fundada em aterro (solo impossível para, aí, se erguer verso
ponto final.). No seu negativo escancarado, a paciência tamponada pela cortiça
da incompreensão, forma circular de dizer a outro sol por onde ir se quiser. Arrasta
os pés, vira a cabeça, entorna os braços no peito, uma das mãos enquanto me
olha, se afunda no bolso a procurar o que a ocupe, de ali sai mão vazia. Pára. Olha
o céu por entre estas treliças da construção, pesponto ferruginoso costurado
pelas mesmíssimas mãos que me afastam para lá. Encosta o corpo, por ora o dela,
à pedra; marca a pulsação com o desnível das pernas, ponto de rótulas flectidas
em graus desavindos, leva à boca a cerâmica, sorve seu dentro em menos de nada.
Quase que apostava nela, e em como tudo aquilo estava a ferver. Finge bem, o mínimo
de olhos a revirarem diferentes, e era porque eu olhava com atenção. Vêm
fardados, vestes da cor céu nenhum, com aquela cor de azul e tal, as mãos
descrevem circunferências, inscrevendo aí bocas de espanto, sua palavra falta à
conversa ao mesmo tempo, nesse tempo em que afastam as nuvens com o credo em
outro céu e assunto que não o deles. Bagaço, um cheirinho de café, parecem-me
ser o final ao que dizer. «Vê!...Têm de sair daí três fios…». Seco a última
lágrima que fingida, por nada mais parecer ter a dizer, quando me estendem
lenços já usados, húmidos, vincados, esborratados com os tamanhos de boca
vários, destes meus personagens que o não sabem que são, outros fogem e nem o
olhar me emprestam. Sou calmo em figura e paciência (mentiroso!), como o
fotógrafo das espécies bravias, dos motivos fugitivos dias a fio, sem espirrar
ou quebrar os ossos da mão que os apanha com os dedos entrelaçados. Ainda agora,
pousam dois malandros à minha frente; mantendo a ponta do aparo na folha, se
desenham a si mesmos atropelando a linha superior dos meus óculos. Desconfiados,
olham para todos os lados, não para mim, remexem de cuidados sua bagagem de
mão, e de lá tiram um aparelho de comunicar, trocam os seus cartões, ligam os
aparelhos ao mesmo tempo, juntam costas e contam a partir daqui se afastam cada
um a falar sozinho, para nós e para um outro. Percebo apenas a palavra VISITAR.
Se dispõem (e se indispõem) as palavras, como louça a escorrer, o seu vidro a
ser lambido pelos contornos do que se diz, sons naturais em acidente. Significa
tudo tão pouco, ao fundo ela para ele sorri, a desviar o olhar do caminho que
têm, por quase nada se encontra este com a parede ali de lado. Outro estica o
braço, polegar em norte, depois passa, quem cumprimenta é segredo desta
construção que o acolhe do lado esquerdo ao motivo observado. Reparo meu: por
ali fora, junto à berma, estacionaram todos seus veículos tão direitos, uns a
seguir os outros à distância fixa, mão invisível que esticou o nível enquanto
sibilava a ordem de imobilização – obedeceram cegamente, e não entreviram o que
era apenas pormenor: PROIBIDO ESTACIONAR. Para dizer que não, que seja à vez. Não
é sempre não. Não é importante que assim o seja. Não ligues. Não voltes (nunca
a não voltar). Não to digo outra vez. Entorta-se nas minhas costas um sonoro desvio
de atenção, obriga-me a ter de te ver uma outra vez a noite em par, plasmada no
todo espaço que é ali depois da fachada de vidro que me entorpece a mão, ainda
antes sequer de ter vontade de a tocar. Por dentro das coisas construídas para
nos modificar, ou simplesmente esquecer que algo existe fora delas, pé-direito
maior que a dúvida que se instala entre o que somos e o tecto infinito. Ainda nas
minhas costas, alguém «vida madrasta» diz que aceito como verdade, cegamente,
sem confirmar o rosto que é sua nascente. Palavra. Esfrega os olhos,
personagem, e mantém morno o diálogo que manténs com essa aí do lado; se não é
assim, respeito. Enterneço-me e amolgo o aparo com o coração de sentir lá por
casa, fazendo a vontade a este tempo de não acontecer, elevação por dizer assim,
e aponto o rosto dela a pousar no algodão de outro ombro, de quem é complemento
a este costume de segundos.
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