sábado, 27 de abril de 2013

COZIDO À PORTUGUESA



As carnes que forem mais salgadas devem ficar de molho



Saí da prisão há pouco.

Alguns dias.

Os primeiros em liberdades de retoma.

O mar.
Dizer para os outros, chegados, aquilo que quero sentir dentro de mim.
Lição.
Apreendida.
À boca cheia de mil razões.
Que sim.
Agora é todo um caminhar. Falta é aprender.
Os pés às vezes sofrem de falta de direcção.
Em pequeno usei botas correctivas.
Pesadas. Como me sinto.
Convém ser passos pequenos.
Não aquele tropeço, esqueço.
Vejo-me de repente, e de forma naturalmente forçada, com a necessidade de preencher os dias.
E a economia. Nisso, mãos largas.
Arranjo, com bengala em cunha, um biscate.
Gosto da palavra, respira-se. Com um sentido de não definitivo.
Se um gajo trabalha, respeito!
Se é um biscate, desenrasca-se.
Todos os dias deveriam ter uma componente, ainda que em part-time, de biscates. Sempre são uns hobbies.

Este, no armazém das oficinas onde o meu pai trabalha.
Ainda bem que um pouco ao lado.
Porque não temos ambos muita paciência para qualidades de tempo em família.
Em que dignos condutores de monólogos da coisa certa.
Tem de ser sempre daquela maneira, senão parece que não resulta. Teimosos.
Convenhamos.
Melhor outro tutor a quem prestar vassalagem e serviço. Menos chato.

Parece que sem sentido de humor.
Tem noites.
Que a gargalhada mergulhada em cascos de carvalho, chega a convencer-me da sua certidão.
Na minha de nascimento, ele meu pai.

Na oficina da arte, a que me dedico por estes dias.
Estes começam sempre pelo balneário.
Antes de entrar em campo.
Fracção urbana, com sabor a betuminoso.
No escaldante parque de bobines de fio eléctrico, a que recorro cada meia hora na parte da manhã, para acudir algum electricista com pressa de ir almoçar ao Prior Velho.
Hoje é dia de cozido à portuguesa.

Volto para a troca.
De calçado e de meia.
Até na farda tem de estar tudo a condizer, que os espelhos dos vidros dos carros insistem em devolver-nos a imagem, de formas nunca à escala real.
Mentem-nos.
Porque nunca é reflectido o bom de ti. Ou porque assim não acreditas.
Antes despenteado, que o gel deixa vestígios.
De partículas confusas em assumir o papel de transgressor, da cabeça em alma.
As botas com biqueira de aço permitem o saudável exercício do desdém.
Pelas coisas em que tocas.
Rei Midas da ferrugem, das porcas e parafusos.
Desbobina.

O senhor das tensões, altas e normais, está à espera.
Que depois arrefece a refeição.
Pelo meio, conversas de bola e remates. Alguns certeiros, eu é que não gosto.
Partilho outros.
Já não é mau.
Doutra forma, ausência. De fora para dentro. Nem que seja o ambulatório do Miguel Bombarda.
Uma pessoa tem de nutrir algum especial nem que seja gosto, por algo.
Às vezes.



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