segunda-feira, 29 de abril de 2013

LISBOA





- Desconfio de lugares mágicos.
Encerram em si a disponibilidade de te tornar ilusionista da rotina.
Mas este não.
De naipe cheio e convulsões do seu empedrado irregular, que se torna num morse cacofónico de teclas pretas e brancas.
Lisboa. Maior de idade.
Que sinto na minha pele como mais um pêlo encravado.
Incrustado.
Relação de quase adopção por esta mãe-cidade, que tanto afaga com os seus reflexos dourados em esquinas de transitário, como repreende em cada escadaria do desequilíbrio.
Com ferro a meio. Tauromáquico.
Sente-se a continuação do braço de metal chumbado na calçada, a prolongar-se pela estratificação do terreno das memórias.
A repetição de cada sonho, ou a percepção deste, em cada beco visitado.
Alguns com mais frequência, mas sempre em descoberta.
Arranjo sempre algum exemplo da vivência nesta cidade, como grafitado de fantasia.
Nas paredes de reboco instável das areias de ampulheta, que não esperam pela ordenação do teu pensar.
Mal arquivado.
Gosto de me perder no encontro com a estória.
Das almas várias e divorciadas da moral vigente.
São puras.
O pulsar das suas tascas, com as rugas da vida bem presentes nas caras dos velhos cujo olhar é o bastante para que entres nas suas muralhas do conto.
Mesas de canto, prefiro.
Em que traço as diagonais bastantes, no encontro do meu observar com os daquelas personagens reais.
Não pedem permissão para te contar as suas dores do parto.
Difícil dos dias.
Apenas uma esmola.
A do copo de vinho partilhado em poesias de jarros cerâmicos.
Vermelhos do lastro.

Acudo ao miradouro das Portas do Sol.
Que a cidade também precisa do afago dos seus poetas, sempre perdidos nas suas palavras.
Em ordenhas da composição.
E por vezes descuram o gesto.
Do conforto em dizer-lhe que a habitamos, muitas das vezes no egoísmo de confessionário.
Ela, parece que obrigada em ouvir-nos em surdina.
Porque lhe pedimos tanto?
É só a procura da solução para o caminhar de viajantes do verbo.
É pedir tudo.
Estaremos nós em condições de a receber nos braços no final dos tempos?
Em velhices do dedilhar.
Guitarras a chorar, órfãs dos mestres.
Lares da conveniência.
Temo que acabará por ser abandonada à mercê dos umbigos.
Salteadores da riqueza que pensam ser as suas entranhas.
Pura ilusão das almas menores, violadas em criança, ao lhes ser roubado o choro da emoção.
Insanos.
Não vêem que os tesouros do ofuscado foram já imortalizados.
E transformados. De ouro dos reinos em palavras.
Em poesia.
Troca justa e com sentido do seguro contratado.
Lisboa nunca foi enganada.
Iludida, por vezes.
Em paixões de dor pelos seus amantes de passagem.
Porque quis.
Nunca abriu as suas ruelas com desdém. Antes entrega.
E sem ciúme quando observa o carnal a acontecer, em prédios de Alfama a ruir.
Do peso dos homens e mulheres, menores nas suas pornografias de substituição.
Encantadoras na sedução dos xailes em garrote nos pescoços desnudos.
Sou obrigado a admitir que ainda não estamos prontos para a oferenda sem retorno.
Cantiga do bandido.
Ela diz que espera. 

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