quinta-feira, 25 de abril de 2013

CIMENTO-COLA






Não fui alérgico a tudo.

Sem dente da frente.
Sinto-me como o excluído que já sou, apenas exagerado.
Faz algum sentido? Para mim.
O dentista explica, por brocas e com pinças, aquilo que o descuido já tinha sussurrado.
Pergunta se pode. O quê?
Fazer-te sofrer.
É só mais um degrau.
Eu já sofro. Assim, é com procuração clinica.
Parece que menos mal, quando são os médicos a intervir no teu corpo, com falas mansas e apalpadelas benignas.
Ou a rasgar a carne.
Esta, é paliativa.
Se tens algum problema-puzzle difícil de organizar nos teus nervos diários, nada como uma boa rasgadela.
De diário.
Mas esta foi no céu.
Da boca que tinha tumores.
Convém sair, senão mais problemas.
Pode haver mais?
Acho que sabes do rosário das contas.
Pago sem ver a porra da conta. E conta.
Para tudo o que vais entregando, o desmembrar.
Afinal ainda tens tanto.
Boca. Nariz.
Esse nem por isso, que o cheiro a vómito e a merda da falta de asseios me incomoda.
Agora já não. A sério.
Apenas agridoce.
Braço é preciso.
Nem que seja para tirar a nota amarrotada do bolso da moeda que por simpatia, os alfaiates de bom senso e sentido do marketing, colocam nas calças.
As minhas já há algum tempo que não sentem o detergente.

Aplica a anestesia e penso.
Tenho comigo algo mais eficiente para a dor.
Se calhar o doutor tem pudor e não deixa utilizar a sua oficina para fins paliativos.
Aparadores.
Assim que o bisturi toma a direcção do pulso forte e decidido daquele cirurgião das cavidades, deixo de pensar.
Sinto.
O sangue a jorrar pelos cantos da boca, misturado com o latejar metálico dos instrumentos afinados daquela orquestra.
Digo. Esteja à vontade.
Até à garganta tem terreno para escarificar.
Depois engulo.
São instantes.
Da qualidade daqueles que se querem breves. O suficiente.
Para não pores em causa a ideia de finitude.
Aguenta.
Remédio.
Para a tosse não tem nada, não doutor?
Chato que não se possa fumar.
Anos mais tarde, também nos cafés.
Um pouco de fumo para despistar, isso é que era.
Mas não, pois trabalho a fazer.
E falo. Erecto.
Com mestria e requintes de transplante.
Não é comum chegar assim até mim, alguém tão necessitado. Diz o doutor.
Agradeço a simpatia.
Verdade. Tens a boca numa miséria. A boca?
Fodasse, todo eu sou miséria.
Com pressa da resolução.
Terminal não sabe, que isto de assumir compromissos não é para mim.
Por hoje, isso arranja-se.
Ainda uma moeda no dito de alfaiate.
Melhor.
Alguém a quem ligar, depois de sair do cadeirão.
Que descanso.
Ele que não me ouve bem, tem máscara anti poeiras na boca.
A sério?
Enfim, só para algumas.
Com largo espectro não saem tão em conta.
Esta, o patrão oferece.

E aquele personagem agarra-se a qualquer coisa que lhe permita sair por uns momentos.
Neste caso, até simpatizo.
Sítio interessante.
Cave de um edifício. Daqueles bem construídos, a pensar no marquês.
Perto das Amoreiras. Lisboa.
Escura, mas com bancos de madeira e as últimas publicações em revista das vaidades nacionais.
O trabalho em si, aparatoso. E barulhento.
Consiste em amassar bem aquela amálgama de material em pó, que se quer graduado.
Em cimento-cola.
Espero que não se espalhe muito.
Para que não se confunda. A ele e a mim.
Com o branco também pó.
Que se espraia no comprimento.
Da mesa improvisada em barris.
Cheios e vazios.
Como os dias.

Ele mais velho. O personagem.
E enfermeiro.
Ralhete por não ajudar muito.
Em casa, a mesma coisa.
Habituado a mesa posta e a roupa lavada. Eu é que não gosto.
Melhor com o sebo acumulado na relva do Cais do Sodré à espera do primeiro barco.
Que me leve daqui.
O da manhã.
Que a noite já engoliu todas as forças.
E formas.
De me enganar.
Mas isso é só mais logo.
Agora tenho de perder o medo e a ânsia.
De sentir o primeiro.
Não o barco, mas o chuto da agulha.
Com cuidado. Não temo, é diplomado.
Na escola da passagem e dos azedumes de retornado.
Até adquiridos nas fileiras da Legião Estrangeira, porque muito viajado.
Só não sai do mesmo sítio.
Por mim, prefiro esta.
Viagem do transporte ao cerne de mim e à negritude do pensar.
Que se quer nenhum. Agora.
Porque todo o espaço é pouco.
Para a explosão em milhares de nebulosas a tocarem no fio dos teus cabelos.
Encaracolado.
Afago de tormenta que agora é luz.
Da felicidade que se espalha no apartamento espaçoso em número de assoalhadas do sentir.
Que é sexual e não contido.
Mulher. Muitas.
Enleadas no teu espaço público e por tempo indeterminado.
Cedido gentilmente ao artifício da animação. Sim, és tu.
Branca das Neves e do São Bernardo.
Pipa aberta em salvamentos de soterrados.

Tem mesmo jeito, o gajo.
Sinto mais quando vou tirar análises.
Aquela enfermeira decana então.
Á bruta.

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