- Estou irritado!
Antes, fiz a barba à palavra. Rente.
E dispo-a sem sensualidade, e à
imagem que a acompanha.
Ela que me servia num tamanho acima do
corpo, confortável.
Ainda regateio.
Só por hoje.
Sei que dela tenho feito uso sem pudor.
Antes do desnudar, que agora ao vê-la
assim, difícil e nua, me sinto constrangido até aos zeros.
Para não a prender.
Quer sair por aí. Aqui não.
Nem que seja para ir beber um café, à
esquina da língua rouca.
Essa sim, abusa.
Sair de casa é o primeiro passo.
A vizinha já tinha reparado que ela, a
palavra, não andava bem.
Enferma. Sinal dos tempos.
Disse-o hoje, entre a caixa do correio
por abrir e o saco do lixo atado de peso da afronta acumulada em casa.
A nossa.
E eu que não a quero perder.
Eu, que leio livros e parágrafos quase
sem dificuldade.
Mas a ela, não.
Não a compreendi, em evidência.
Sentido de pertença desigual.
Assumo o porquê das suas divagações em
sulcos, no corredor das nossas assoalhadas.
Insónias.
Que não me preocupasse, já ia para a
cama.
E eu adormeci.
E pensei que estaria ali, aquando da
alvorada.
Engano o meu.
Do tolo dos homens, ao pensar que ela
lhes pertence.
Já tinha sentido a distância, nos
noticiários do comum.
Assustador, como convém.
A incutirem o sabor do medo, porque
dele se depende para o despropósito da desigualdade.
Dentes para tanto de qualquer coisa.
A chuva da partícula.
O pontilhismo do final de emissão acaba
por ser mantra mais desejável.
E próximo da postura em meditação do
homem moderno, apoiado no cajado tecnológico.
Que prime em desesperos do funcional.
Permitem-se à ausência do sentido.
Quebra.
Tanto mar em deserto, arrancados em
sangue à ânsia dos séculos.
Para quê?
Corpos religiosos da mentira.
O suposto equilíbrio, em demandas
irracionais.
Foram tantos os degraus desta escada mal
projectada pelos engenheiros do saber.
Carregaram-na em excesso, no que
deveria ter de leveza.
A da humildade.
No contacto com o outro, que respira.
Os ventres sofridos, na esperança do
contributo para o melhor dos reinos.
Aprendizagem nula.
Civilização dos cântaros efeminados,
que perduram na lama dos caminhos.
No princípio, mais carne.
Em unhas do roído pela impaciência.
Ela, a palavra, foi.
Deixou no entanto um bilhete.
Se não definitivo, de aviso.
De permeio.
Para me poder explicar como aqui,
claramente, deixava-se algumas.
Para compor, se quisesse.
Na oficina da tertúlia desejei ter mil
bocas, para poder gritar com ela. Para ela.
Mas não saíam.
Como no pesadelo da memória, escancarada
na mudez da transmissão.
O divórcio já tinha sido pressentido
desde a seca imposta pelas casas do vinho aos seus desalmados frequentadores.
Amigos poetas.
Ela fez uma escolha.
Preferiu juntar-se-lhes em bandos, na
vindima alternativa do adjectivo.
Ao entardecer, não a censuro.
Que viva para sempre e amanhã também.
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