segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

NÃO PERGUNTES


 


Desconfiado acedo, e subo ao terraço. Visto a paisagem e tudo à volta. A luz é pintura de ar carregado, tinta fresca que me escorre pelos ombros. Humedecemo-nos, eu e ossos, com a neblina que chega vinda do lugar onde nunca existe. O instante em que me habita, escorrendo lenta dos olhos para o peito, é uma superfície onde somos reflexo dos nossos disformes braços, nus de abraços. O meu rosto suado com a ideia de uma bebida quente. A mão que me desaparece, na direcção do bolso de dentro do casaco, onde não existe nada só um espaço. Não me arrependo, como não me arrependo da ausência de um gesto de atear, aceitando o rigor da solidão. A mão que dança sozinha da outra mão, lado oposto. Sou eixo nunca direito, espinha encravada deitada, quando as mãos finalmente se encontram. Duas palmas voltadas, onde um desenho incerto luz de um dia. Os lábios são contornados a medo, dispostos ao movimento de um beijo. São recordações de outro agora que não se deseja aqui, agora. Outra viagem, membros, num corpo solto na sua prisão de momentos. Tapam-se olhos com as palmas da mão, onde não há desenhos é escuro. Tu és corpo que não pára à minha volta, e eu também continuo porque nunca ouço uma ordem vinda de fora. Eu que nem a mim me ouço, nunca me faço a vontade. O que sinto sempre é uma arma apontada às costas, e sei quem és porque me olhaste no rosto pouco tempo antes. Por cortesia paro, não te querendo alongar o gesto, uma distensão que se evita em braços mais para adeus. O teu gatilho é preguiça lenta, não gosta de despedidas. A máscara que me cai à frente, uma vedação que não é minha. Transposta à distância, penso que te conheço a saltar. Uma ideia fixa enquanto olho, por uma janela que não existe pouco precisa aqui, mantida limpa por não ser objecto de dedadas. Não quero que voltes, volta para onde caíste. Para aquele camião onde também interior escuro, um lugar onde se esconde carga, avulsa obscuridade da qual só se conhece o peso.

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