sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

MARIMAR 430 ANS

Um homem fecha a porta, quase não é som a esta distância. Antes de sair por ali, arrumou caixotes. Dele, de alguém, e fez mais barulho. Uma linguagem de ecos distorcidos percorrendo o cais, onde ao lado uma gaivota pergunta reflexos à água. A água fala de outras coisas com o vento, que a corteja, soprando-lhe espuma com formas geométricas. Outra linguagem, onde se desenham distâncias entre elas, outra estranha forma de ser palavra. Onde se chega à conversa, passando por cima de uma imagem em que se reflecte. Coisas que existem paradas. Coisas, não. Barcos. Barcos com nome de lado, boca torta, números misturados com letras, lugares identificados por este nome que não se esconde de ninguém. Vem um do Barreiro. Outro é bicho Raposinho. Há um outro ainda em que se acredita, reza à Senhora do Cabo no fim de outros cabos, tormentas, cordas esticadas para o fundo. Outra distância submersa. A mesma porta, outros homens e vão dois de mãos nos bolsos. Olham para a porta, mas não a abrem. Juntam capacidades de horizonte, e olham para mim. Não olham agora, mas olharam há pouco, à distância de alguma água. Não os vejo já, escondem-se para menos de uma parede. Onde acabam a ponte, começa chão. Chão diverso, de pedra parada num outro cais. Cais adeus lento, que não conversa com ninguém e não precisa. Pois a ele se ancoram vários cascos, espinhas curvas de obrigação, estórias de navegação à vista e outros barcos grandes. Duplas faces improváveis, coladas pelo mesmo tipo de pele. Metal. Um guindaste com um dedo acusador sempre em frente lamenta-se da fome. Fala das pesadas cargas que lhe faltam, com uma mota das antigas que se encosta silenciosa ao seu corpo. Outro homem, outra porta, esta fechada com estrondo. Vêm mãos estendidas, pelo ar pergunta-se pelo preço e por uma quantidade. O preço de fazer aparecer os outros homens. Bandeiras de mão de uma nação pequena na sua imortalidade, no final. Uma gargalhada partilhada numa roda de fumo. Quase tudo aqui é cinzento, fumo de cigarros que imitam a cegueira de um nevoeiro. Os barcos são brancos, e todos aqui que o sejam, onde se possa ser aí uma outra cor e um outro nome. Uma voz incómoda, acima da boca fechada, pergunta-me quando volto, se volto. Quando voltar, digo para dentro um dia – diz-lhe tu. Perguntem-me outra coisa, penso. Como um motor pergunta para o meio silencioso das gaivotas – foi só uma vez? Uma outra, desta, a que seja. Quer saber se comigo próprio é uma dança – diz-me tu, que fizeste o mesmo. Penso na palavra parado, mas não a digo. Avião é outro céu, onde tenho de ir. Dizer um avião que não vejo é fácil, ouço-lhe a sombra. Voar dificilmente é dos outros, e tentei dizer-to. Só consegui dizer barco, e deixei-te ir – volta para a água, como um de nós. Espero ir amanhã.

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