quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

QUE NÓS NAUFRAGÁSSEMOS


 

No fim do que se vê, o cabo. Destes olhos, a silhueta de mãos invisíveis, uma imagem traição para dentro. O que se não vê. Sombras, eu sei. Na areia onde desaparece a tua boca, sinto-a quente. Palavras a que me obrigas, ao ouvido silêncio, indecisa insignificância. Cala o tudo de ti, só uma vez, aproveita a tempestade, a agitação dos elementos. O que se não vê. O que dizes não é o mesmo que o vento, és a intrusão da praia ao lado. Mãos, invisíveis na repetição, parecem-se sempre com mãos – são linhas o que atiram estas mãos às primeiras ondas? Flores imobilizadas com linhas, com as tuas frases de silêncio. As mesmas flores que vejo nascer mortas, a cor que ainda têm, absoluto contraste com a terra onde desaparece a tua boca sem tons, calada. No fim do que se vê, o cabo. O mar incomodado de perto, por um bando de gaivotas em banda, laterais na sua afronta ao mar violento. Rebentam-se quietas na margem, no começo deste firme desencanto. Ao alto, depois da falésia impossível, árvores tortas nas maneiras, os seus ramos direcções arrependidas. À volta de um tronco, e podia ser o meu e as tuas mãos invisíveis. Não te demores aí, tens as árvores todas como os pássaros as têm. Não te sinto, como ao resto de tudo. És-me distúrbio, rancor da profundidade. Do pouco todo em tudo, em que me tornas, onde somos ínfima ladainha. Solenes gaivotas que invejo, acima da altercação do natural. Oceanos, céu de tons, todos os sons. Mortos, outros que se despedem de nós e das gaivotas a partir da sua laje, o último pesar. A afronta destes pássaros no seu peito mais adiantado, uma solidão sem movimento. A chave deitada por alguém fora daqui, chega por fim pele, ignorada pelos olhos dos pássaros. Fingem-se de tormenta, as escamas nas ondas.

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