sábado, 9 de novembro de 2013

SUTURA






O rio combina com operação, uma corrente é o seu modo. O movimento deslumbrado, a sua prisão. Barcos agricultores lavram-no, vincando-o breve com cores diferentes. Quase não se distingue, mas fogem ambos com tempo, embarcações e rugas na superfície. Aqui – um rosto – não nasce nada, quando muito uma imagem confusa, o reflexo da multidão compacta, com o mesmo nome apertado no peito – lisboetas – esta porção de coisas da mesma espécie, estendidas à mesma altura sobre o vidraço geométrico. Aqui – de frente – não nasce nada, é uma dor que o Tejo não sente. Um assunto fechado, como o casario tímido que espreita atrás das colinas, em cima do joelho da mãe Lisboa. São sardinhas ainda vivas, com escamas cor de tijolo, que fogem da altura de um mar ainda longe. Sal espalhado nas suas feridas abertas, como uma atracção para os corpos que chegam, distraídos por outra luz. Aproximam-se, asas escuras abertas, a envergadura da noite prometida para mais cedo. Lisboa é um apontamento inspirado, desses deuses decadentes, refugiados originais de um qualquer Olimpo, nas suas margens. Uma pedra que quer dizer tantos filhos, enrolada num pano enorme cortado em lençóis estendidos brancos, mal engolida. As suas lágrimas, um fado insuportável. Poupa a voz, ó marialva! Que esta é uma outra gente, mais infame que desprezível, que ocupam secos longe da água, todas as tascas imemoriais que já não existem. Que se arranquem as cordas das guitarras que choram por hábito, para a construção do último abrigo para um pescoço. Do preconceito quero nudez, falo com sotaque. Pois a minha língua materna – naturalmente a primeira – é a dos gatos. Eco de uma expressão, sossegada numa viela, enquanto não há a sombra de uma vítima para apagar. Na parede das tuas costas, onde a lua cheia da Graça foge inclinada do Castelo, desenha por mim o mapa da minha loucura. Um lugar de encontros na minha pessoa, onde tu és o corpo da obra na costura da cidade.

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