sábado, 5 de outubro de 2013

ÁRVORE

Há raízes aqui à volta. De certeza que existem, mas não as vejo. Agarram-se a outro lado, fora do meu campo de visão. À minha frente está uma árvore, entre outras como ela. Do seu corpo que é tronco, em que acontece mais uma batida do meu coração, a imagem já vai a meio, precisamente na parte em que foi ferida. Esta árvore tem um rasgo profundo na sua memória, e ponho-me a adivinhar que acto covarde, de alguém com forma humana, sem raiz nenhuma, só pernas, poderia ter desferido este abandono. Que violência suficiente poderia ter este traço. Se foi um machado empunhado, rasgo um sorriso com um desejo. Que tenha caído esse machado com o peso todo, aos pés que seguram mal quem o agarrou, e que lhe tenha levado um dedo grande. Esta árvore foi mordida por metal calado, obediente, que na sua dentada transmitiu a raiva toda da nossa raça. À árvore, descarnou a sua pele viva, não se preocupando sequer com o desenho que lhe imprimiu no corpo. Este nunca vai ser crosta, irá antes fechar-se numa tristeza de veios, cortados nos anos que hão-de vir, junto do peito todo que é o seu tronco. Esta árvore e todas, em altura, são maiores que todos os braços esticados em ameaças, dos que, aqui, passam à procura de vítimas mansas. Neste caminho que sempre existiu antes de nós, das coisas vivas que guardam as folhas necessárias para escrever as palavras todas, no seu bruto estado. À saída da terra, junto à boca. A cicatriz é só uma parte do corpo, esquecer é para sempre.

Sem comentários:

Enviar um comentário