Nas
palavras, procuro uma disposição que me anime. Ordeno-as segundo a sua vontade
de apontar outras coisas que não elas próprias, deixadas assim soltas. Elas
mandam sempre, gritam-me a sua ordem. À minha desordem de dentro. As palavras,
ou aparecem sozinhas, de peito feito, isoladas na sua malvadez, ou em gangue,
violentas na ordem com que me atacam, querendo todas elas ser a primeira a
desferir-me um murro no estômago com o seu significado. Há palavras tímidas, que
aparecem de vez em quando, e outras mais obstinadas, uma presença certa na
escuridão deste corredor que habito, forrado a papel pardo, onde tropeço nos
infindáveis paus de carvão de que me vou esquecendo por aqui. Dão sempre jeito,
pois não gosto de me ver desarmado quando assaltado por elas, palavras. Nunca
poderei falar de palavras amigas, pois existe sempre uma vírgula que me separa
delas, mantendo a distância de segurança. É uma afirmação insegura, não tenho
certezas. Existem, sim, umas que me são mais chegadas, obrigando-me a falar
mais vezes na escuridão, dos espaços abandonados aos seus corpos, na solidão.
No desespero suave. A minha loucura, da qual tenho mais certeza do que da água
que preciso para viver, é domada aparentemente, por esta luta que travo,
primeiro comigo, depois com um verbo de rasgar, que me deixa uma cicatriz
bonita no peito. As palavras, que me habitam e ao corredor, desejam a minha
febre. Eu sou um senhorio que não existe, pois não lhes cobro nada, pelo
contrário. Que me destruam a casa toda, que eu não tenho seguro contratado, não
há nenhum que cubra isto. A insegurança, o não ter quase nada, só o importante,
é a minha ferida incurável, que verterá pus para sempre. Elas, palavras,
gostam. Gostam muito de todas as seivas, atacando tanto o tronco do castanheiro,
ouriçando-lhe o fruto, como um qualquer corpo de pessoa em agonia. As palavras
cospem-me o engano de todos os dias. São matéria solta, fecal, do lastro
indisposto que atiro pela janela fora, sem ver quem passa lá em baixo. Escrevo
comboios de palavras prisioneiras, ao abrigo da minha própria convenção, e
magoaram-me todas elas, antes de se deixarem apanhar. As frases que escrevo,
são a minha linha de vida, a minha ligação a esta, e apertam-me os pulsos até
serem sangue. Só até ao momento imediatamente anterior a serem outra coisa mais
importante. Humanizado, porém, não significa consolo. Descrevo-me até à carne
viva, antes de ser visitado pelos abutres que são os outros, todos estimáveis,
que não me ferem de maneira nenhuma se, por acaso, olham por cima do meu ombro
para as minhas palavras emprestadas. Não são de ninguém. É a minha terapia, o
meu engano ainda húmido. Iludido pelo vazio que ocupa este tempo, escrevo.
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