Acordar é um sobressalto. É uma nuvem de fumo a pairar no
quarto, a desenhar a sombra de quem ateou fogo às roupas da noite. E esta boca
aberta, a deter todos os traços da sua fisionomia, para a reconhecer na
memória, caso façam perguntas depois. Dos meus olhos molhados, vem o reflexo distraído de
uns braços ocupados com chamas, que tentam apagar a fogueira sonhada nas horas
antes. Uma fogueira que quer ser inferno, para fora dos muros da alma. Essa
propriedade dividida, registada em livros brancos por escrivães ocupados, dedicados
só a essa tarefa de registo dos incêndios pensados. Mas a alma é sempre tua,
mesmo que retalhada pelo domínio publico para onde a deixas fugir, abraçada ao
sonho imperfeito, egoísta, que a quer maior para que exista. Consumidos,
abraçados, pelo fogo que não tem dono. Um cão da noite que aproxima-se pelos flancos
desprotegidos, para carícias, quando tem fome de lenha. Quando esta acaba, ficando
o osso incompleto do carvão, morde-nos a pele com as suas labaredas,
abandonando no caminho do sono, a sua coleira de fósforos. O fumo quente, esse,
espera-te pelos olhos caídos no quarto. Esta noite.
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