quarta-feira, 21 de agosto de 2013

3º GRAU



Acordar é um sobressalto. É uma nuvem de fumo a pairar no quarto, a desenhar a sombra de quem ateou fogo às roupas da noite. E esta boca aberta, a deter todos os traços da sua fisionomia, para a reconhecer na memória, caso façam perguntas depois. Dos meus olhos molhados, vem o reflexo distraído de uns braços ocupados com chamas, que tentam apagar a fogueira sonhada nas horas antes. Uma fogueira que quer ser inferno, para fora dos muros da alma. Essa propriedade dividida, registada em livros brancos por escrivães ocupados, dedicados só a essa tarefa de registo dos incêndios pensados. Mas a alma é sempre tua, mesmo que retalhada pelo domínio publico para onde a deixas fugir, abraçada ao sonho imperfeito, egoísta, que a quer maior para que exista. Consumidos, abraçados, pelo fogo que não tem dono. Um cão da noite que aproxima-se pelos flancos desprotegidos, para carícias, quando tem fome de lenha. Quando esta acaba, ficando o osso incompleto do carvão, morde-nos a pele com as suas labaredas, abandonando no caminho do sono, a sua coleira de fósforos. O fumo quente, esse, espera-te pelos olhos caídos no quarto. Esta noite.

Sem comentários:

Enviar um comentário