quarta-feira, 14 de agosto de 2013

MARGEM SOL



A casa deste sul onde vivo, nem branca é fresca. Habitando-a por dentro, o cimento é um fogo lento. E eu – dentro dele – com os ossos mal dobrados, estrutura insuficiente. Secam-me as veias para ter o que beber, e pergunto sempre pela água que me faz falta, sabendo-a perto, com os seus braços curtos saídos do corpo Tejo. É na margem desse corpo que dispo a camisa, preferindo roupa com gola alta da espuma dos seus cruzadores. Cacilhas é um momento desses cascos que beijam o ferro e que, como eu, param quando menos se espera, no meio do rio. Vão leves os barcos, só ossos. Se é um dia de nevoeiro, apalpam-se, contando para que não falte nenhum aos esqueletos – todos são precisos – para os quais as bóias não chegam, mas ficam-lhes bem. Têm a cor do alarme, do pavor à água, e vão no lugar do vento. As carnes descoladas pelo fogo do cimento, há muito hipotecadas, são estendidas estranhas numa das colinas de Lisboa. Toalhas magras, que despregam-se em acenos aos ferros que trespassam a terra inclinada da urbe, vindos da ponte que dá jeito aos peitos apertados. Dela, ponte, corre uma guarda para honra nenhuma, que fere a mão que já não se quer agarrar. Mão solta, uma forma de ser pedra atirada lá para baixo, abrindo um grito para o lodo submerso, para que se desvie para um pequeno espaço onde caiba. O vento, quando vem, é um dissílabo tardio, servindo apenas como o desempate do lado para onde é dita a última palavra. Ou se nasce, ou se decompõe. A corrente do rio, agarrada aos nossos relógios, leva com ela as coordenadas todas, para que nunca se saiba o melhor miradouro. O céu para onde se voa, tem uma cor morena, manchado por um corpo acertado nos braços pelos ponteiros das gaivotas. Salto várias vezes, ficando mais puro em cada deslocação do ar, até que o sangue saia branco para as tuas mãos, afogando a tua carícia.

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