quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ANTIGO



As ruas estão vazias, não tenho de quem me desviar. Mas não ando. Fico parado por um horizonte. Uma linha de charneira, costurada com fio de cobre, que une a terra ao céu. Subo a uma estátua disponível, deixada para trás pelo seu peso, e consigo ver a nossa narrativa completa, projectada para trás das costas. Uma história do mundo antes das ruínas, traçada a partir de um retracto de memória, de algo que já existiu dentro de uma cabeça velha. Antecedeu a forma irregular das nuvens, o certo e o erro. Um trajecto riscado como um mandamento, com sementes de vida a prazo, atiradas pelas mãos de um ancião a partir da sua posição recta. Orientou-se ele por princípios intrigantes, tossidos pelo seu corpo, o principal edifício ocupado além da minha estátua, do outro lado da rua. Das suas portas fechadas, são emanados vapores na direcção do meu corpo quente, mortal, induzindo um transe de batalha de interiores, longe destes campos abertos. A partir desse estado alterado, vejo pelos olhos novos do ancião, e partilho da sua previsão do agora. Que iriam cair setas dominantes, sobre a civilização dos socalcos, espremendo assim gentilmente as suas uvas, com buracos cirúrgicos. Seriam lançadas por uma raça avançada em catástrofes e terrenos cultivados de velas apagadas, para o prazer das frases escritas sob a noite dos sentidos. Palavras sentidas só por dentro, para serem copiadas numa superfície gélida sem cérebro, mas com um corpo de actos armazenados. Conceitos embrulhados nas curvas que se soltam da luz tornada poço, tapado este com uma grelha vazia de corpos, mulheres e homens. No edifício mais fendilhado que só a entrada, há uma janela, onde cabe dentro uma ideia inválida de um rosto, atormentado pelo tempo. Não sou eu, nem o ancião. Torce o pescoço, é um pássaro que vê. É uma espécie que inveja. Desço da estátua, cego de imagens. Dobro-a, guiando-me pelo tacto, e vou para a paisagem. Há-de ser a minha companhia, no quarto abandonado que são os dias.

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