As ruas estão vazias, não tenho de quem me desviar. Mas
não ando. Fico parado por um horizonte. Uma linha de charneira, costurada com
fio de cobre, que une a terra ao céu. Subo a uma estátua disponível, deixada
para trás pelo seu peso, e consigo ver a nossa narrativa completa, projectada
para trás das costas. Uma história do mundo antes das ruínas, traçada a partir
de um retracto de memória, de algo que já existiu dentro de uma cabeça velha. Antecedeu
a forma irregular das nuvens, o certo e o erro. Um trajecto riscado como um
mandamento, com sementes de vida a prazo, atiradas pelas mãos de um ancião a
partir da sua posição recta. Orientou-se ele por princípios intrigantes,
tossidos pelo seu corpo, o principal edifício ocupado além da minha estátua, do
outro lado da rua. Das suas portas fechadas, são emanados vapores na direcção
do meu corpo quente, mortal, induzindo um transe de batalha de interiores,
longe destes campos abertos. A partir desse estado alterado, vejo pelos olhos novos
do ancião, e partilho da sua previsão do agora. Que iriam cair setas
dominantes, sobre a civilização dos socalcos, espremendo assim gentilmente as suas
uvas, com buracos cirúrgicos. Seriam lançadas por uma raça avançada em
catástrofes e terrenos cultivados de velas apagadas, para o prazer das frases
escritas sob a noite dos sentidos. Palavras sentidas só por dentro, para serem
copiadas numa superfície gélida sem cérebro, mas com um corpo de actos
armazenados. Conceitos embrulhados nas curvas que se soltam da luz tornada
poço, tapado este com uma grelha vazia de corpos, mulheres e homens. No edifício
mais fendilhado que só a entrada, há uma janela, onde cabe dentro uma ideia
inválida de um rosto, atormentado pelo tempo. Não sou eu, nem o ancião. Torce o
pescoço, é um pássaro que vê. É uma espécie que inveja. Desço da estátua, cego
de imagens. Dobro-a, guiando-me pelo tacto, e vou para a paisagem. Há-de ser a
minha companhia, no quarto abandonado que são os dias.
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