Eu vejo assombrações. Ou julgo que vejo, mas até me
convencer que não vejo, acredito nisso como uma liberdade liberta, que a
qualquer momento posso encerrar dentro de uma convicção do seu contrário. Poderão também
ser distorções fantasmagóricas da realidade, causadas no meu olhar pelas remelas
que se acumulam mais rápido que as torneiras que abro. E abro bastantes. Só cá
em casa são cinco à escolha, incluindo obviamente o bidé e o lava-louças. Enfim,
vê-se tanta coisa estranha que aquilo que tomamos como real poderá ser
desmentido no telejornal das oito. E aqueles jornalistas não me parecem nada reais,
antes marionetas digitais infernais, com bons penteados e maneiras
plásticas. Mas estas almas desagregadas que vejo ou julgo ver, não me parecem
nada assustadoras. Têm até um ar saudável, com alguns quilos a mais, parece-me,
desequilibrando assim o índice de massa corporal aceitável para uma entidade
que nem peso acrescenta ao nosso chão. Como se a ausência de peso real, fosse
compensada com um volume dilatado, decerto utilizado com maior ênfase nas suas manifestações
às pessoas vivas. Parecem saídos de uma qualquer banda-desenhada berrante sem
heróis, pois usam todas umas calças cor-de-rosa, apertadas nuns tornozelos sem
pinga de sangue. Variam só nos motivos que ostentam nas suas t-shirts,
informal ilustração que escolhem para mostrar a sua afabilidade, indo de um elefante
barulhento a uma cara de alguém numa publicidade assumida a uma marca de café. É alguém que não reconheço nas montras, e aparece numa fotografia a
queimar-se na chávena que segura só com o dedo mindinho, sem esboçar qualquer
dor. Apenas um desconforto de enquadramento, pois parece pertencer a uma outra
publicidade de umas férias numa praia longínqua, com uns olhos a sonhar
arrefecer esse dedo da mão, queimado no sítio e à hora errada, com um copo de
cocktail bem servido de gelo. Agora sim, fico assombrado. Um fantasma dentro de
outro fantasma é algo que não lembra nem ao diabo.
Sem comentários:
Enviar um comentário