O diálogo da terra acontece em mim, debaixo de tudo. É um
coração lavrado por bichos do escuro, numa conversa sem letras. Não há lentes
nos rostos deles, armados só com uma sugestão de boca. Não têm olhos, mas sentem
os túneis longos que me escavam dentro, como garrafas cheias de um líquido sóbrio
que faz falar. O caminho, se fica mais torto, não interessa. Pois há-de haver
sempre um lugar sem raízes, para emergir da terra húmida. São bichos, mas
poderiam ser seiva moldada, com uma forma aparentemente humana. Quando saem dos
seus buracos, são como canas saídas ao caminho, indicando a localização da
água turva parada na sombra. O vento que desloca a estória com o meu nome torna-se
velho, repetindo várias vezes as mesmas frases, como um gesto tremido mimetizado
pelos troncos das árvores, que apontam para todos os lados da palha adocicada
com as bocas caídas como maçãs sem gosto. Da casa na árvore
invertida, plantada seca e cujas folhas enterradas vivas alimentam-se dos meus bichos,
sai um corpo de criança. Desenha uns saltos altos no ar, por cima da erva
amarela, esbracejando e atirando para adubo, os dentes estragados pelos doces
em excesso. Assusta as abelhas, e estimula-as antes do tempo. O campo, esse
pavor largo, imenso, assume-se como a recordação bela do princípio, gravado nas
gerações pela rocha. Dos joelhos esfolados e mãos mordidas por lacraus, à
procura das batatas para a sopa da avó. O sonho não se perde quando se sente
que arde perto, e toma o espaço não cultivado como caminho da fuga para o precipício.
Não sinto medo, salto. Lá em baixo há superfície e coisas enterradas, caminhos para
a aldeia. A vida é possível, fica perto, e tem figos secos à espera em cestos
de vime gravados com as iniciais da família. São os primeiros professores, os
que apanharam as primeiras pedras por ti, boas para pinhões e rixas na cidade.
A infância é um verão, antes de virares o teu corpo para o frio, e dormires a
sesta. Quando acordas, a idade é adulta e estás no meio do caminho de todos.
Desvia-te, arrepia.
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