quarta-feira, 19 de junho de 2013

HOSPITAL CENTRAL




Um lugar bom para morrer várias vezes, o banco de urgência deste hospital.
Não pedi para me sentar, mas permaneço.
O ar pesa com calçado usado das caminhadas de cada um; julgo que devem ter sido muitos os passos, para justificar este fedor.
Isto vai escorregar! – Diz alguém, no corredor.
À minha frente vejo perto, um dos lugares possíveis da loucura, os olhos desta senhora que há muito abandonou a cadeira de rodas que a agasalha, e vagueia pelas luzes brancas com pressa de anjos.
Reparo, distraído, que este banco está cheio de cadeiras passageiras, e todas já ocupadas com filas de espera.
A quase agressão em família, por um pneu onde sentar.
Porque todos devemos ter um lugar onde não existir, e lutar por ele.
Aqui, o meu lugar é no chão humilde, onde abraço o pensamento longe e com ternura o meu lobo progenitor, e espero que o nosso nome igual faça eco nas colunas que transmitem pouca música, nesta feira colorida em cada pulseira à espera de braços agarrados.
Ouço-o agora, e levanto-me urgente como se estivesse à espera deste momento desde sempre.
Decerto treinei os movimentos num sonho prolongado, e agora concretizo.
Somos levados para um sítio mais amplo, onde apetece permanecer em solidão; mais acolhedor, e onde as indicações são dadas de viva voz por assistentes engraçadas na sua incorrecção antipática, porque ainda não se jantou.
E todos temos fome quando nos mexemos.
Vejo quartos de brincar no escuro, com símbolos de radiação afixados à entrada, a prometer corpos bronzeados.
As macas transportam só corpos, que as almas gostam de passear soltas de mãos, por todas as salas que não estão ocupadas.
O labirinto é cronometrado por um relógio parado numa conversa de telenovela.
O lobo que tenho ao meu lado, queixa-se de uma barriga cheia de vida que o paralisa; não tanto pela dor, mas pela irritação com o corpo que também erra na idade.
Tem um tubo na mão esquerda, e é um canal de pêlo encravado.
Prometo-lhe um osso com carne farta pela paciência, e já o reservei na montra da máquina de vendas.
Funcionários que aprenderam todos na mesma escola do engano, onde a frase maestra era só um bocadinho.
Aceno com a cabeça, e digo que não temos pressa. Agradeço até este momento em que o dia ficou parado e metido em tubos de sangue.
Corpos curvados sobre outros corpos já não tanto, e vómitos que pedem desculpa à vista de todos.
O meu é um coração do medo, onde estão bocas abertas em silêncio.
Estou quase a ir-me embora, só não sei quando.
Vou esperar que alguém o diga.
Para tudo há um botão e o diabo que o carregue.
Afinal é vesícula que se tem de operar em instrumentos de um furo acima, e eu sempre disse que tinha maus fígados de berço.

O amanhã é uma máquina avariada.

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