quinta-feira, 27 de junho de 2013

AR LÍQUIDO

As minhas manhãs são quadrículas acidentadas numa parede de betão ainda por acabar. Raízes por cima dela, parede, a chegarem onde não vejo, tapadas por rampas que me saem dos olhos. Folhas secas e caladas, amordaçadas por teias que se apegam a tudo o que é construído. Manchas de sangue simétricas que vejo espalhadas por testes de Rorschach já antigos, espalhados pelos cantos que se cruzam com outros tantos. Aproxima-se um vulto e apoia, junto ao meu corpo, um cotovelo em silêncio. Ao lado, uma presença persistente de um pássaro que chama outro, através da sua cantiga urbana misturada de cancelas de ferro e motores de combustão. Vontades poucas que são levadas a passear por trelas, em cruzamentos de difícil opção. Síncopes em marcha e olhares perdidos em umbigos de ganga molhada precocemente no inicio, mas só na bainha.  Volumes que se deslocam em eixos de percepção difícil, capazes do maravilhoso. Dá que pensar. Canteiros de plantas carnívoras em edifícios públicos de freguesias que já não existem. Uma topografia registada num papel que sai de um pão, já com bolor, e que não serviu para alimentar uma alma que fosse. Quando muito conjuntos, estruturas. Uma calçada que se solta em cada pedra, num jogo de bingo caótico. Uma mão no bolso, que não quer ser vista em íntimos de masturbação com descontos na segunda unidade. Reservas limitadas de comida para os meus gatos, ávidos de detergente. Andores com santos de lábios pintados com gelados derretidos. Pernas de pau e loucuras à escolha em catálogos simples de impressão em gráficas que cabem num chinelo. É uma sorte perceber que o ar à tua volta passa também por ti. Respira.

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