Tenho
sempre sono, só não sei se sou eu. Alguém será, e disso não tenho dúvida. A
percepção do que está à volta é diferente. Uma confusão ligeira.
É um
espaço com esquinas nem sempre à esquadria, asseado. A tempo de fechar uma braguilha.
Com caixas sem fundo, onde guardo roupas que me deram e das quais me quero
esquecer. Folhas de papiros que nunca acabam, marteladas calmamente. – Será que existem? Simplifico o meu olhar
de tudo, através de picotados depois de esponjas. À volta do meu corpo teci uma
estrutura, um vime estreito de largura, e só com uma ranhura à medida dos meus
olhos cansados. Por ela espreito para o nada que vive bem dentro de mim. Conto
peças soltas que se aguentam como paredes, amestradas com panos macios,
embebidos em lixívia do esquecimento. Luvas de borracha que acariciam viúvas.
Ralos de drenagem exaustos da gordura dos dias passados, que não é anulada com
vinagres ou fermentos. Nenhum dos dois. Eu como alguém, difundido a partir de
um objecto de culto; um altar azul, geométrico, com furos cada vez mais
pequenos. Conversas simples com uma borboleta de plástico, que está sempre ali
num sítio parado, e que tem asas como um adereço fantasma de um voo que acabou
há muito. Despejado por um mecanismo. Símbolos pagãos cravados em cerâmicas, com
desenhos de quadrados que cabem dentro de outros quadrados. Onde nunca existe
espaço para ti próprio. Por vezes és uma escova noutro canivete suíço. Passas
firme, por cabelos de um branco estético, e cortas unhas que já atrapalham a
progressão por um corredor que distribui mortes e sorrisos também acenos.
Espaços de fumigação, separados apenas por cortinas feitas de costelas adornadas
com laços sem cor definida. Gavetas que se colam com produtos fortes, para
nunca mais abrirem. Deixo dentro delas, e em cada uma, um gravador com a minha
voz registada. Um por cada ano da minha existência rouca. Cordas penduradas em
tectos altos, espalhadas ao acaso, com azeitonas penduradas que me alimentam
durante o inverno, em que permaneço dentro de uma banheira com metade do meu
tamanho. O jogo lúdico deixa-se para o fim, e são peixes que desaparecem cada
um na sua direcção diferente. Despeço-me todos os dias do meu peito apagado com
pedra-pomes, e faço da extinção de um de mim, uma extensa celebração por pares.
Pois o meu Eu mais velho já ensina pouco ao mais recente. Fica um aperto de mão,
calejada por porta-chaves, e uma lâmina já usada para a barba de amanhã. Uma remela
granítica que escondo atrás das clarabóias a que chamo óculos. Apago lâmpadas
com a boca, roubando-lhes depois o vidro com que aclaro a garganta. Sento-me, e
fica escuro à volta. Levam-me a luz e agradeço. Durmo até que passe um comboio,
e me deixe um vento, pelos trilhos que tenho debaixo da almofada que trago
sempre comigo. Debaixo dela, guardo os dentes todos que arranco, e que nunca
mais voltarão, até que a boca se cale num silêncio de marfim. Para o
imediatamente antes, asseguro um silvo que baste, para chamar a minha bruxa
careca de tantos chapéus usados. Vem depressa, quero dormir.
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