Dançam
por dentro.
Dançam
e não há paredes. Foi a vontade expressa de um piano ausente, antes do
silêncio. Uma melodia deixada para trás, espalhada num chão. Um chão de fios,
penteados geometricamente em duas direcções opostas, a partir do meio riscado.
Cobrem uma cor de rosas em sangue, das mãos mordidas num gesto. Um abrigo de
corpos. Existem lá, obrigatoriamente dois. Dois corpos mecânicos, vivos, que acenam
quando olhados. Poupam as mãos já mordidas, em sangue, servindo este mais tarde
para a transformação do espaço. Não há paredes, mas há cor. Para parecer outro
espaço, onde continue a existir corpos. Pelo menos dois. Acenam então, a partir
dos seus olhos mortiços, carregados da cor alternativa da maquilhagem. Acenam
para longe, para o fundo que é dentro de quem os vê. Afastam estes corpos as
suas pernas, em ângulos impossíveis, alongando ainda mais este ar de fantasia. Fundem-se
na direcção da gravidade, enleando-se com vontade no seu chão de fios. Nalgum
momento, noutro, acaba por ser outro movimento. Levantam-se. Os corpos
levantam-se sempre, mas não ao mesmo tempo. São os braços que falam primeiro,
apontando a direcção desse movimento. Noutro momento. Da queda vista de cima, para
ser o seu contrário. Um estertor sem fim, com sombra, sincronizado com esta
para prolongar um fim que não é agora. Os corpos, permitem que as suas próprias
sombras sejam entendimento – um gesto possível – para que sejam uma conversa à
parte. Os corpos são dois, e não existe mais nenhum aqui tão perto. Perto deste
chão de fios, mal entrançados de direcção, casuais na sua disposição caótica. Já
foi este um chão sagrado, pisado pouco, que tapava os seus fios soltos com um
manto branco, grosso, tecido com o melhor linho. Linho de casulos. Existe
pouco, numa paisagem de gelo distante. Um mundo maravilhoso de casulos leves,
vazios de alma, instalados sem esforço nas paredes revestidas a frio metal. Não
é este lugar. Aqui, dançam por dentro. Dançam e não há paredes. Procuram-se
diálogos mais vivos, carnais. Os corpos não querem as roupas pesadas do seu suor.
Rasgam-nas. É a vontade dos dois, e quase demoram o mesmo tempo. O suor escorre
livre agora, para uma sugestão de oceano, contido num desenho perfeito de
quadrado. Quase fora do enquadramento, no final do chão de fios, num canto mal
iluminado por sorrisos. Tem a água suficiente para imersão, e só lhe cabe um
corpo. A vez na morte é negociada, com um aceno. Dançam
parados.
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