– Quer umas pedrinhas de gelo? Pergunta-me
a empregada do café, do outro lado da muralha que é o balcão. Respondo que não,
e sinto um olhar por cima do ombro a querer confirmar o porquê da minha
escolha. Vem de um homem com idade avançada de abdómen, que está estacionado
numa das portas do café, a principal. Espreita a rua e o seu automóvel, mal
estacionado como ele em frente ao café. A porta principal é por onde entra mais
gente mas nem sempre é assim. A esta hora de verão, depois de almoço, não entra
ninguém. Nem pela porta principal que dá para a estrada movimentada nem pela
secundária, a das traseiras, que dá para o jardim. Os clientes são uma sugestão,
e os mais próximos estão no prédio em frente, do lado da rua movimentada, de
onde exibem orgulhosos pela janela, os seus aventais coloridos de domingo,
enquanto lhes saem das mãos sinfonias de cerâmica. Aqui dentro ouve-se a
televisão e as moscas que acabam na solução azul final. Ouvem-se vozes lá fora.
Gritam pela janela no prédio em frente, e chamam pela empregada. Esta vê-se
obrigada a contornar o balcão e a ajeitar o rabo-de-cavalo a caminho da porta
principal. Aparece emoldurada, no terreno de ninguém que são as ombreiras da
porta. Mãos na anca e queixo levantado, são a pergunta bastante para que a
resposta não tarde.
– Guarda-nos um pastel de nata!
A empregada, parecendo ignorar o pedido, volta
para trás da sua muralha, e deixa-se hipnotizar pela televisão, que transmite
um filme com rostos orientais, passando-se a acção num qualquer cruzamento de
uma avenida americana com palmeiras. O café parece-me cada vez mais vazio,
ocupado por esta santa trindade de seres tão distintos na sua distância. Eu, o
homem mal estacionado e a empregada absorta. E o fio de vento esticado entre a
porta principal e a porta das traseiras. Esta abre-se de repente, e por ela
entra alguém candidato a cliente. A distância até ao balcão é percorrida num
breve afago de cabelo. Fica no ar um perfume de mulher. Combina bem com as metralhadoras disparadas no
filme.
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