Um rasto
de espuma é o que me resta de um barco atrasado; uma vela que passa por
línguas, estacionadas em espinha e paradas no meio de um rio, à espera de uma
quilha macia que encaminhe um corpo que seja até elas. Aos meus olhos, nada os
protege. Têm a luz toda, de um sol que apadrinho quando aparece. Uma luz que
entra por prismas colocados em atrelados, um em cada margem do meu peito.
Paragem obrigatória para quem tem tempo; uma mão fora de bordo, catavento.
Tenho guindastes como vértebras, e alcançam pesos mal distribuídos pelos
ombros. Respiro – ajudado – por pulmões pequenos de aves, que se formam do sal,
misturado este com marés doces de dois braços que se juntam. Nem sempre a água
é o meu elemento. Por vezes é uma janela antiga, virada na mesma direcção para
que apontam os meus pés, para esse rio parado por peixes que nos escutam. Uma
janela tapada por uma madeira raspada por âncoras que se penduram na parede,
como pregos à espera de uma carga. Conversas que mantenho com os meus pássaros,
empilhados como cascos, num armazém mal alimentado por luz, e guardado, ele e
os meus pássaros também, por um marinheiro coxo que vive da sua cegueira. Este
lobo rouco do mar, sente que o rio está quase ali, por aproximação, e diz-me
que já viu tudo. Passa o tempo que lhe sobra entre remos para mãos pesadas, e
dá uso ao canivete ferrugento, que lhe acalma o formigueiro no tronco a que
chama perna. Todos os dias volto, e sento-me nu em frente da sua porta de
mosteiro marítimo. Ouço o cantar das sirenes, e espero por um anzol que me
prenda a fala. Quero um fio de pesca longo, onde possa cortar as mãos, ao
puxar-me o peso todo do corpo, para o outro lado que não é aqui. Uma prancha
que seja, e sem nós, que me permita flutuar apoiado só com o pé esquerdo, é
tudo o que peço, depois de todas as outras coisas.
O
sino dos nevoeiros, esse, hoje não o ouço.
Sem comentários:
Enviar um comentário