quarta-feira, 31 de julho de 2013

MORENA



O espaço é um qualquer, desses habitados por pessoas. Com balcões à altura da cintura, onde se trocam palavras por géneros e se dizem faz favores, obrigados e voltem sempre. Aí, vi alguém. É uma mulher, e tem umas pernas como outras do seu género. Andam. As suas mãos têm gestos tardios, como se não quisessem saber do corpo coordenado, ditado pela vontade. Como que desencontradas do meio desse corpo, de ondem fogem para acenos. Há um sorriso, e é o que lhe segura o rosto, com tempo para escavar umas covas fundas, uma de cada lado da sua boca. Um triângulo para esquecer num sonho bom, formado pelas covas e o nariz que lhe desce quase até ao lábio superior. Falam muito das vontades do corpo, e substituem-se eles todos, aos olhos sem vida com que vê as coisas à sua frente. Têm umas praias de sono instável, com certeza da posição desconfortável em que apoia as suas noites, num só cotovelo. Os dedos de uma das suas mãos, desaparecem no menu à disposição para este dia, rodando ansiosas pela escolha de uma refeição que é sempre a mesma. Para iludir o que é descompensado, pede sem cerimónia um copo de água bem cheio, que é bebido sôfrego de uma só vez, e sem soluços. Por momentos distraídos de mão na anca e carteira debaixo do braço, deixo os meus olhos serem conduzidos pelo seu outro braço, que é levado para dentro da sua blusa preta, numa comichão de pêlos ausentes. Como se fossem um membro amputado, que ainda vive à superfície. Tem um peito bonito, de uma cor morena roubada à mistura da farinha do pão que comeu ao pequeno-almoço, com a cor da sua blusa. Mas é só uma cor, e os seus olhos sabem. Por isso, lhe morrem.

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