segunda-feira, 22 de julho de 2013

A(R)RISCAR



Risco a tracejado numa folha transparente. Interessa-me mais o rasgo profundo que deixo nela, a espaços, do que se fosse uma linha continuada superficial. Como um murmúrio em camadas, sobreposição de direcções azuis diferentes, confortáveis na sua teia tardoz de noite escura. Um acto explícito de penetrações sinusoidais, que começam num gesto em que não se largam e acabam num só. Confunde-se com um ponto, uma fuga possível para sair desta folha. Como a sinto a prender-me, ganhando uma cor branca, pálida. Conforto-a então com perspectivas de um lar a preto e branco, onde não falta um lugar para pendurar guarda-chuvas e chapéus. É acima do chão em que se desenham tapetes, mas com uma distância confortável até ao tecto, onde cabe certamente uma cabeça. Mas é só um espaço, e sinto necessidade de dar vida a alguém. A um rosto só contorno, sem olhos que me perguntem porque os desenhei deste tamanho pequeno. A capacidade não é muita, e seria a resposta pronta, anotada num dos cantos. Sei que estaria a mentir, quando ainda me cabe uma secretária. Sento esse corpo que é alguém, como se estivesse a duplicar um conforto, iniciado na folha em que me esforço. Deixo-lhe um jarro com flores frescas, numa cor diferente, em cima da secretária. Assumo o erro de principiante, deixando à vista o traço da mesa por detrás da jarra, que era suposto não se ver. É um risco.

Sem comentários:

Enviar um comentário