Risco
a tracejado numa folha transparente. Interessa-me mais o rasgo profundo que
deixo nela, a espaços, do que se fosse uma linha continuada superficial. Como
um murmúrio em camadas, sobreposição de direcções azuis diferentes,
confortáveis na sua teia tardoz de noite escura. Um acto explícito de
penetrações sinusoidais, que começam num gesto em que não se largam e acabam
num só. Confunde-se com um ponto, uma fuga possível para sair desta folha. Como
a sinto a prender-me, ganhando uma cor branca, pálida. Conforto-a então com
perspectivas de um lar a preto e branco, onde não falta um lugar para pendurar
guarda-chuvas e chapéus. É acima do chão em que se desenham tapetes, mas com
uma distância confortável até ao tecto, onde cabe certamente uma cabeça. Mas é
só um espaço, e sinto necessidade de dar vida a alguém. A um rosto só contorno,
sem olhos que me perguntem porque os desenhei deste tamanho pequeno. A
capacidade não é muita, e seria a resposta pronta, anotada num dos cantos. Sei
que estaria a mentir, quando ainda me cabe uma secretária. Sento esse corpo que
é alguém, como se estivesse a duplicar um conforto, iniciado na folha em que me
esforço. Deixo-lhe um jarro com flores frescas, numa cor diferente, em cima da
secretária. Assumo o erro de principiante, deixando à vista o traço da mesa por
detrás da jarra, que era suposto não se ver. É um risco.
Sem comentários:
Enviar um comentário